domingo, 26 de dezembro de 2010

Canto de amor

Um dia, enciumado, o tempo a aura gelada
Soprando, vai fanar-te os tons qual flor passada
Nos leitos de verdura;
Com a mão vai murchar nos teus lábios faceiros
Aquilo que me falta, os teus beijos ligeiros,
Na sua estação pura.

Um dia os olhos teus, velados pelo pranto,
Do tempo que passou, roubando os teus encantos,
Hão-de o rigor chorar;
E quando na lembrança e na vaga da margem,
Procurares em vão a tua linda imagem,
Hás-de ao meu peito olhar.

Lá, teu primor floresce indefinidamente;
Lá, a lembrança de ti vigia eternamente
Junto à minha franqueza.
Como a dourada luz, de trêmulo clarão,
Que a virgem santa só protege com a mão,
Cruzando a fortaleza.

Quando a morte vier, por outro amor seguida,
E, aos risos, apagar, da nossa dupla vida
Ambos os fogaréus,
Que ela disponha os dois estrados lado a lado
E que os dedos das mãos sigam enlaçados
Dentro dos mausoléus!

Ou na Terra talvez possamos nós passar,
Qual no outono se vê um solitário par
De cisnes companheiros
Que, ao partir, dois a dois, do ninho da paixão,
Rumo a um clima bom, em cuja busca vão,
Voam num doce enleio!



Alphonse de Lamartine

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Nem no amor nem na morte pode-se penetrar duas vezes - menos ainda que no rio de Heráclito. Eles são, na verdade, suas próprias cabeças e seus próprios rabos, dispensando e descartando todos os outros.

Zygmunt Bauman

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Cada vez que se encontravam era como se fosse para sempre. Brilhava em seus olhos o desejo e a vontade. Eram o sonho um do outro, a grandeza do sentimento todo contido em apenas uma pessoa: pequenina. Do tamanho de seu abraço. Eram o gosto da felicidade, o sopro de alegria. O riso incontido. Desafiaram a improbabilidade do amor e fizeram emocionar ao mais cético dos chatos. Iluminados pelas estrelas dançaram uma valsa envolta pela noite melancólica dos outros. Foram a inveja do mundo, quando conseguiram chegar ao céu, abraçados, apaixonados. Deitaram nas nuvens e viram a face de deus, enquanto chovia lá embaixo. Foram tudo que as pessoas comuns apenas sonharam. Realizaram seus sonhos no espaço curto de um beijo. E cada novo beijo era um novo sonho que surgia e enchia o mundo de alegria e cores vivas. Cada beijo era um novo gosto: brigadeiro, chocolate, morangos, chantilly. Cada aconchego um novo calor, um novo abraço, um novo toque na pele. Cada vez que se encontravam eram completos, eram puro amor. Cada segundo de suas vidas valia a pena por aquele momento. Todas as dores de se viver, toda melancolia e tristeza era um pequeno detalhe insignificante, quando se encontravam. Quando se encontravam, eram eternos, para sempre, improváveis seres perfeitos. Quando encontraram o lugar ao qual pertencem. Encontraram-se.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Foi!
O amor se foi perdido
Foi tão distraído
Que nem me avisou
Nem me avisou!
Foi!
O amor se foi calado
Tão desesperado
Que me machucou...

Lenine

Havia algo estranho no ar daquela noite. Acredito que ninguém saberia dizer exatamente o que, mas, a desforra estava preparada há muito tempo. Não se sabia, mas alguns puderam sentir – como uma brisa que corresse pelo vão da porta, ou uma rajada aterradora passeando pelas ruas desertas. Eu? Eu senti. Estava sentado imóvel havia algum tempo no parapeito de minha janela, pensando no que havia para pensar. Olhava para a rua lá em baixo, em tons cinzentos de cidade grande, quando um arrepio, um leve sopro de verdade me inspirou medo.

Tive medo do que haveria de acontecer a tudo e a todos.

A vida é como subir num palco pela primeira e derradeira vez, sem direito a ensaio. Quantos erros poderiam ser evitados se houvesse uma prévia conversa a respeito. Mas é aqui e agora. Pela primeira e ultima vez, sem emendas. Existe uma coisa que faz parte disso tudo que é a forma pura da crueldade divina: o amor. Que não se repete jamais, nunca ninguém o conheceu duas vezes com distintas pessoas. A vida em si é algo ligeiro e ineficaz, agora o amor é insignificante. Por mais que alguém lute por tê-lo em plenitude, nunca basta! Droga viciante. Sempre se quer mais e mais e mais. Mas, acaba. O amor é uma ironia. Todos devem rir de uma pessoa que ama, agora e para sempre – inclusive Deus.

A alma de quem ama se dilacera. Ela acredita que nunca foi completa e espera ser recomposta pelas mãos do ser amado. Espera ser esculpida numa forma perfeita, pelas mãos da única pessoa capaz de encontrar seu verdadeiro sorriso por debaixo de tantas tintas borradas. A alma de quem ama não existe, ela espera ser completa em conjunto: ela espera a outra alma capaz de lhe fazer plena.

O amor é improvável.

Naquela noite, uma pobre alma apaixonada encontrou a limitação de seu amor. Coisa que nunca haviam dito a ela que existia. Até então tudo era fraco demais perante a força de vontade da paixão. Mas o amor encontrou seu maior adversário, não ser amado em retorno. Parece tão bobo de sua parte, amar tanto para não ser amado no final. O destino é sarcástico demais com seu sorriso gasto. Quando procurou nos olhos do ser amado por alguma coisa que não palavras vazias e promessas desfeitas, não encontrou nada além. Aqueles olhos continham em si sua própria mentira. Não havia olhos ali, não havia nada.

Fechou seus próprios olhos e encarou o amor que sonhava, em sua imaginação. Sem encontrá-lo onde esperava, ou seja, naquele ser em sua frente. O amor todo estava contido apenas em si, era uma mentira bem contada – havia se convencido daquilo sem nunca ter visto, apenas sonhado. Agora que procurava a mão companheira para enfrentar a vida juntos, não encontrava dedos nem pele, a idéia de amor sucumbira a realidade e o que restava era fumaça onírica de alguém moldado pela loucura.

Pediu, pediu... Gritou porque queria acreditar. Nada veio, nada ficou. Ela se foi, carregando suas lembranças, seus beijos. Ele se foi, carregando seus sonhos debaixo do braço. Caminhando a esmo pela dura realidade, agora inquestionável. Deitados a noite em seus travesseiros, não se conhecem, não se encontram. Não são. Inexistem. Não sonham um com o outro ou se desejam. Eles deixaram para trás a parte mais bela de suas vidas. Esqueceram como é que se faz para amar.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

"O principal herói deste livro é o relacionamento humano. Seus personagens centrais são homens e mulheres, nossos contemporâneos, desesperados por terem sido abandonados aos seus próprios sentidos e sentimentos facilmente descartáveis, ansiando pela segurança do convívio e pela mão amiga com que possam contar num momento de aflição, desesperados por “relacionar-se” e, no entanto desconfiados da condição de “estar ligado” em particular de estar ligado “permanentemente” para não dizer eternamente, pois temem que tal condição possa trazer encargos e tensões que eles não se consideram aptos nem dispostos a suportar, e que podem limitar severamente a liberdade de que necessitam para — sim, seu palpite está certo — relacionar-se..."


Zygmunt Bauman

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ninguém sabe como você se sente quando está aí sozinha, não é? Deitada em sua cama, farejando sofrimento pelos cantos. Podemos jurar que você sente o peso de suas escolhas na fronha do travesseiro. Arranhando as paredes com sua dor e seu cansaço. As horas passam e o sono não vem e essas coisas todas ficam em sua cabeça, como um cata-vento melancólico numa tempestade ou algo que o valha. Ninguém sabe. Jamais vão entender o seu amor – pelas pessoas e por essa vida. Aos poucos acaba a dor, não se preocupe – acaba o amor. Devagar você deixa essa paixão toda de lado. E se torna o que imaginavam de você. Algum dia você vai deitar por acaso e sentirá mãos ávidas, mas sem sentido em suas pernas, em seu corpo. Seu corpo é o objeto de seu prazer, mas, ninguém nunca entendeu essa sua necessidade narcisista de sexo. Me desculpe por contar a verdade, mas enfrentar a solidão é para os espíritos fortes e, acima de tudo, uma escolha. Cada alma solitária faz por merecer sua condição. Algumas amam demais e assustam, outras amam de menos e magoam. Cada qual luta por seus ideais, mas, no final, todos saem machucados dessa vida. E o amor acaba ficando para trás: sob um céu estrelado ao lado de quem se ama ou num quartinho de hotel barato, nas unhas afiadas e mal pintadas de uma puta que não beija na boca.

domingo, 10 de outubro de 2010

No more hard feelings, nor high feelings
Nothing at all I swear
But, I lie to you by saying that
for in fact
I do love you yet.
I shall never again let you walk
two steps far from
my heart
I shall never again regret
to love you so deeply
in my heart

I call you back
I call you back
silently

I shall regret,

My dearest.

sábado, 9 de outubro de 2010

Aqui é o limiar de nossas vidas, derradeiras vidas. Enquanto ouço suas músicas favoritas, como uma espécie de lembrança gravada em mídia digital, ou um ataque masoquista de saudade inconfundível. Eu lembro ainda de seu cheiro e de seu gosto entre meus dedos, todas as palavras repletas de significados ocultos dispersos em sons irreconhecíveis para outros ouvidos que não os nossos. Aqui estão nossas vidas, guardadas em algumas caixas. Heureux à en mourir. Morrer, morrer. Morrer não é um estado simplesmente biológico de definhar e deixar de existir. É também esquecimento, apagamento. Guardar uma lembrança última daqueles dias em minhas gavetas para quando não lembrarei mais nada. Pois, todos esquecem. É inevitável. Por mais amor que possa ter por alguém, a morte do sentimento é esquecer. Numa brusca distração nossas mãos não estão mais juntas enlaçadas, amarradas e bem grudadas. Num passo em falso peguei o caminho errado e agora não sei mais onde estou. Nem onde você está. Mas, que prazer essa vida! Quando encontrei você nas noites infatigáveis de tristeza, vinho e melancolia. Madrugadas, incansáveis, dançando como doidos e sorrindo como se felizes! Felizes! Ah, morrer! Morrer... Em vão é morrer. É a menor das preocupações quando se continua vivo, sem viver a plenitude do ser. Plenitude é sermos juntos nossa mentira bem contada. Pleno é o sonho que tive em que você apareceu e se foi. Lépida, me deixou em via de esquecimento, numa rua sem nome - onde não consigo me encontrar. Au revoir.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Mas o que importa a eternidade da danação a quem achou em um segundo o infinito da alegria.

Charles Baudelaire

domingo, 3 de outubro de 2010

O que me perturba é ser um espectador passivo da realidade. Mas, afinal, que direito tenho eu de dizer como as coisas deveriam ser? Sei que você sofre. Tudo que posso afirmar é que acredito em certas coisas e que dessa minha forma se teria um resultado melhor. Eu encho a boca para lhe dizer como deveria ser sua vida - em suma, tento lhe convencer que posso fazer tudo melhorar - mas, não consigo arrumar coisa alguma. Está tudo uma bagunça como sempre foi. Apesar de minhas investidas contra o mundo caótico, de meus sorrisos complacentes ilustrados com vários "tudo vai ficar bem", de minhas tentativas de ser tudo o que sonharam de mim - tudo continua como sempre foi. Inclusive o ser humano em sua pequenez. Ninguém é especial em lugar algum. Às vezes você se engana, imaginando que ali está uma boa oportunidade para provar que a felicidade, o amor ou o romance existem de fato. Via de regra, vem outra decepção e tudo vira (bosta) mundano novamente. Quem sou eu? Gostaria que você me conhecesse, que tivesse essa resposta na ponta da língua. Mas, somos todos tão egoístas que vivemos a projetar imagens nos outros. Tenho também minha responsabilidade nisso: projetei em você tudo que jamais sonhei alcançar. Pois, não alcancei ainda. Você desaparece em fumaça de sonhos e lágrimas de travesseiro, enquanto o que eu queria ser para você nunca existiu. A diferença entre nós é que você é realmente o que eu projetei: nos aspectos positivos e também negativos. Ou seja, você me convenceu de sua realidade pouco plausível de como as coisas deveriam ser - e eu acreditei nisso piamente. Mas, eu não consegui lhe convencer do que sou ou descomplicar um pouco as coisas por alguns instantes. Resumindo, eu não bastei. Bobeira! A vida continua, o mundo caótico ainda está aí, como sempre esteve. Ainda estou aqui, como sempre estive e não vou a lugar algum - tenho medo de mudar e não ser encontrado quando você quiser me encontrar. Medo enorme. Mas, lamento, não consigo mudar o mundo para te ver feliz - eu bem que tentei. Juro para você: mudar tudo, inclusive a mim.
Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

Pablo Neruda

sábado, 18 de setembro de 2010

Afável melancolia lhe chama em surdina
para contar aos sussurros em seu ouvido
as desventuras de mais um dia

Sua inegável ausência encara e grita
assusta minha pobre alma aturdida
que não sabe o que fazer

Gostaria de dizer tanto mas minha boca
desconhece os mistérios de seu idioma
fico nervoso, com cara de bobo


com carinho: meu coração, feito de brigadeiro.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Coisa estranha esse ser humano. Para começar uma dicotomia lhe é inerente e intransponível, além de técnicamente característica: a diferença e possibilidade de ser ou não civilizado ou instintivo. Ser civilizado é morar num lugar onde não exista qualquer manifestação estritamente natural - se houver alguma árvore ela foi plantada e escolhida a dedo para combinar com as cores da flor que está no canteiro ao lado -, agir de forma a modelar qualquer ação embasada pelo prévio temor à originalidade e negar absolutamente qualquer traço personal que não possa ser entendido pela maior parte da população com voz ativa; mas, ser civilizado também é para aqueles que vivem no campo, contudo, o conceito se lhe impõe como a vontade de viver na cidade ou a possibilidade de visitar o composto civilizacional, além de poder se vestir igual, assistir às mesmas coisas na televisão de marca renomada internacionalmente. Por outro lado, não querer ser urbano significa um atraso conceitual na noção de pós-modernidade. Ser civilizado é também conhecer as evoluções e revoluções mundanas, posto que se você se deixa à parte dessas coisas acabara taxado de analfabeto funcional, população marginal, ou simplesmente burro. A civilização está na agenda de telefones do seu celular. E o instinto? Esse não existe mais de forma pura, em absoluto - ao menos é o que todos pensam. Bom, continuo sofrendo os infortúnios de ter instintos numa sociedade controlada. Assim como todos. A diferença é que além dos instintos animais, tão comuns à espécie humana, agora deu-se por criar instintos sociais também - para me infernizar a vida - como ignorar o instinto do amor? Outrora o ser humano animalesco era convencionado a procriar, agora é a busca pelo parceiro ideal da família conservadora burguesa ou então o instinto de autodefesa e preservação do eu-narcisista em busca da plena consciência de si através do sexo e relacionamento sem profundidade emocional que desestimula o laço matrimonial ou qualquer ligação restrita. Uma adaptação do instinto animal para a vida social. Você tem medo de ficar sozinho ou de ficar preso a alguém, segue seu instinto social de relação inter-pessoal. Pode parecer um tanto confuso, um instinto que não é ligado a algo como a natureza humana; mas, o ser humano agora é social e não natural.

Diferença entre animal e humano. O humano saiu da natureza e não é mais considerado (por si mesmo) como um animal - mas, nossa unica diferença com o restante das espécies desse planeta é que não conseguimos mais viver nesse lugar. Temos que criar incondicionalmente materiais que propiciem nossa vida aqui. Fora isso é o que? Um dedo diferente ou a capacidade de sonhar e projetar? Também existem as linhas de crédito para nos diferenciar de seres inferiores segundo Darwin. É natural não ser natural e viver em bolhas de civilização?

Outra coisa interessante no ser humano é a sua dificuldade de viver com seres de sua própria espécie. Isso deve ter alguma coisa a ver com a História e a alteridade. De alguma forma deve estar relacionado ao capitalismo. Talvez um pouco de individualismo depois do século dezenove para a frente. Vai ver é a tecnologia. Eu não sei como chegou até aqui, mas chegou. As pessoas se ignoram por aí. Não se olham, não se sentem e às vezes nem percebem que tem mais alguém nas ruas. Às vezes percebem e olham para o outro lado. Alguns seres humanos parecem merecer sofrer nessa vida em nome de qualquer coisa. Não olhe para os lados e não pise no pé de ninguém, vá direto para casa e não fale com estranhos. Esmola não dá futuro (mas, aquelas pessoas não têm futuro, para elas é tudo muito imediato, é o que vão comer hoje e em que buraco vão dormir).

O ser humano é engraçado, quando escuta o barulho de um carro freando desesperado, espera logo o som da batida; quando não bate é um "ah, nem foi nada". Gosta de ver a desgraça alheia, gosta de contar história de gente desafortunada e dar motivo para tudo dar errado na casa de alguém. Ô, bicho engraçado! De animal não tem nada, mas, se tivesse, acho que seria mais humano.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Por que você? Por seu beijo; por seu cheiro; por seu corpo; por seus lábios; por seu sexo; pelas marcas vermelhas em sua pele depois do sexo; por seu olhar desconcertado quando digo que te amo; por sua cara de brava com dedo em riste; por seu orgasmo delicado e arfante; por seu calor que me esquenta debaixo das cobertas; por seu calor que me esquenta até ao suor, arfante, extasiado, na hora do amor, menina caliente; por seus olhos; por seu nariz; por suas mentiras, que tentaram me fazer feliz, eu acho; por você ter tentado me fazer feliz; por seu pé direito; por seu umbigo intocável; por sua voz ao amanhecer; por sua voz ao telefone; por sua voz calada; por sua indiferença; por seu amor; por seu toque; por seu medo; por sua incerteza; por suas crenças; por suas mãos; por suas frases de efeito; por sua preguiça mimosa; por seu abraço; por seu café; por suas caretas; por nossos sonhos; por nossos erros; por nossos enganos; por seus textos; por seus seios; por seus segredos; por suas roupas; por você sem roupa; por seus vícios; por seus livros; por seus discos; por seus sons; por seus silêncios; por suas crises; por suas brincadeiras bobas; por sua boca cheia de brigadeiro; por suas gordices; por sua falta; por sua presença; por conta dessa saudade; por conta desse desejo; por suas calcinhas coloridas; por sua cara de safadinha; por seus filmes favoritos; por tudo o que eu te disse sem mentir; por tudo o que você me convenceu; por tudo o que ainda não fizemos; por seu orgulho; por seus defeitos;

Por que isso? Porque se eu respondesse a essa pergunta com um simples “sim”, você conseguiria ler tudo o que eu disse ali em cima em meus olhos apaixonados. Porque você sabe o que eu sinto, sem eu precisar dizer, porque eu sei o que você sente, sem você precisar dizer. Porque somos isso – sem mais nada, nem ninguém. Eu acho. Porque eu posso estar errado, mas não vou me arrepender de ter acreditado nisso tudo.

Por que você? Por você!

domingo, 25 de julho de 2010

Eu gostaria de escrever alguma coisa. Mas, nem em meus pensamentos consigo esboçar qualquer coisa. Uma bagunça mental quase tão grande quanto a do meu quarto. As coisas estão em seus lugares? Por que esse tem que ser o lugar certo? Prefiro colocar ali. Já não sei. Mas, ninguém sabe muita coisa com certeza. Além disso, confiança demasiada em si expressa uma certa incapacidade imaginativa, uma pessoa com segurança demais no que diz é um pouco chata, às vezes, não acha? Eu acho. A contradição torna as coisas mais gostosas de viver, mais reais também. Errar é necessário, tropeçar, cair. Acho que a questão é não deixar de sonhar um acerto. Acertar o pulo. Fazer a coisa certa da melhor maneira possível. Isso nem sempre é fácil, pode demorar e nesse tempo a esperança vai se consumindo de dentro para fora. É preciso bastante força e vontade para esperar, lutar, encarar, escorregar e subir tudo novamente, até os dedos sangrarem, chegar lá em cima cansado - mas estar onde você quer - olhar para o horizonte. Sorrir então. Chorar então. Ser feliz então, mas ter a simplicidade de saber que mesmo no lugar certo, às vezes o dia acorda nublado. Mesmo a pessoa certa, às vezes precisa ficar um pouco sozinha, sem você, ninguém pode ser tudo que outro alguém vai precisar. Às vezes é preciso chegar onde você quer chegar e não ter medo de cair lá de cima novamente, é preciso aproveitar a vista, por quanto tempo quer que dure. Aquela hora, o mais próximo de tocar as nuvens que você jamais chegou. Você diria que pode até voar. Você é Deus. Você é tudo. Às vezes, até mesmo Deus erra. E "tudo" é relativo, um ponto de vista - o seu ponto de vista lá de cima.

Estou perdendo minha sanidade da forma como a conheci. As coisas estão mudando. Por alguém, por alguém. Onde está ela agora? Ainda sinto seu corpo, seu cheiro em minha cama. Espero que volte antes que meus lençóis percam a forma de seu corpo. Antes que seus desenhos se apaguem em minha cabeça. Espero que ela volte algum dia, novamente. Para que? Pergunte-se você por que quer qualquer coisa com força. Porque o mundo é diferente quando estamos juntos. Porque a realidade deixou de existir quando você sorriu, apaixonada, e agora podemos pintar quadros como quisermos e viver neles o resto de nossas vidas. Tenho as tintas e o pincel, traga a tela e vamos criar um céu estrelado mais bonito do que Van Gogh. Vamos sair por aí, vamos embora, vamos passear, vamos ao bar, vamos comer pizza, vamos andar sobre os trilhos do trem, vamos comer porcaria, vamos, vamos, vamos, vamos.

sábado, 24 de julho de 2010

Sardas e pintinhas em seu rosto. Marcas de travesseiro por ter dormido muito. Pre-gui-ça. Não preciso olhar para você, ficar encarando seu corpo, para saber quem você é. Quando fecho os olhos posso entender tudo que você tem para dizer, num sorriso durante o sono, numa respiração acelerada, acolorada. Posso sentir seu coração batendo, sem precisar abrir meus olhos. Posso sentir o meu coração batendo e nem sei qual dos dois estou ouvindo agora - uma batida, um ritmo confuso, de estar batendo-batendo, juntos. Bom dia. Posso sentir seu cheiro. Posso sentir seu cheiro em mim. Estou onde gostaria de estar. Sinto o vento bagunçando meu cabelo. Sinto areia debaixo de meus pés. Sinto sua mão segurando a minha. Seu beijo. Posso sentir sua boca sem tocá-la. (Mas prefiro, sinceramente, tocar você - pegar você de jeito e ser agarrado, amassado... amado). Sardas e pintinhas, as linhas de seu rosto. Linda. Dia nublado, preguiçoso, teve preguiça de começar e quando vemos já acabou. Minhas mãos deslizam por seu corpo procurando alguma imperfeição a qual me faça dizer: por isso não gosto de você. Não encontro nada, nada fora do lugar, nada que não me agrade. O dia continua. A vida continua. Minha vida? Sua vida? Vidas alheias. Pessoas que caminham na calçada, sozinhas. Pés descalços no gramado. Os carros nas ruas com suas almas humanas lá dentro, que pensam estar guiando alguma coisa para algum lugar. Os ruídos da madrugada. Eu durmo sem insonia, durmo sorrindo e acordo com você. Eu estou com você pelo momento breve dessa conversa. E então, a vida como ela é volta a ser. Bom dia.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Estou de joelhos novamente. Mas, não oro - não acredito em Deus. Prestes a dizer tudo o que sinto, sem medo. O medo só vem depois que começo a falar, quando percebo a maneira como você me olha. Sem entender, porque você não sabe como é: se ajoelhar. Pedir com força alguma coisa, desejar aquilo com as mãos apertadas até os nós dos dedos ficarem brancos. Você não sente isso, da maneira como eu sinto. A culpa não é de ninguém, apenas não amamos da mesma maneira. O que não é um problema, os amores são plurais, mas devem se encaixar. Se completar. Nesse caso, eu amo demais, um uso exagerado da palavra - mas, sem mentir nada. E você ama quando quer, quando te apetece. Não consigo me acostumar a isso. A ser menos do que tudo para você. Porque, veja bem, você é tudo para mim: meus sonhos, meus medos, minhas saudades, meus amigos, meus inimigos. Eu sou o que para você? Mais alguém. Um alguém diferente dos outros, mais íntimos, mas é só. Eu não aprendi a conviver com isso. Não aprendi a ser um pedacinho apenas de você. Devo dizer, acreditava poder chacoalhar seu mundo, mudar as coisas como elas parecem ser. Fazer tudo diferente. Acabar com aquilo que te incomoda. Mas, não deu muito certo. Agora é saudade. E ver desaparecendo lentamente aquilo que fomos um dia. Um bichinho engraçado, com quatro braços, quatro pernas, duas cabeças, dois sexos, éramos os dois um único ser. Quando prometi que nos protegeríamos do mundo, juntos, e brinquei de juntar nossos nomes numa nomenclatura nova - metade eu, metade você. Acho que você levou por engano um pedaço de mim quando foi embora, agora não sou completo porque estou sem você e não me completo sem aquilo que ficou contigo de mim mesmo. Você deve ter perdido a parte minha que deixei contigo.

domingo, 18 de julho de 2010

Mágicas de trapézio

Estavam sentados um de frente para o outro, mas, mesmo nessa posição, às vezes, as pessoas não se enxergam. Eles se entreolharam e poderia dizer que todos sabiam que algo sairia daquele olhar. O garoto deu um sorriso comprometedor que dizia “eu vou aprontar” e, a garota, com um olhar pernicioso entrevia “ele vai aprontar”. Ela mordeu o lábio inferior com seu dente canino superior, o que lhe dava um ar ainda mais maroto, enquanto esperava até ele fazer alguma coisa. O garoto se remexeu todo no banco em que estavam sentados – um banco azul, pintado da cor do céu, ou da cor que mais chegou perto de se parecer com um céu. Ele não demorou muito para mostrar suas presas. Fez um movimento ligeiro com as mãos e disse:

- Quer ver uma mágica que venho treinando para te mostrar?

A garota, acostumada com essas idéias repentinas e absurdas de seu garoto, respondeu:

- Para mim, não é? Sei!

Ele fingiu ignorar o tom irônico, reação que a deixaria ainda mais brava. E, num passe de mágica, passou a mão por aqui e por ali e de repente tirou de trás da orelha da garota... nada! Uma coisa notável, sua mão voltava repleta de nada. Ninguém sabia de onde ele tinha tirado aquilo, de trás da orelha da garota que não era! Mas, ali estava, uma mão cheinha de nada. Ele disse, para a garota boquiaberta:

- Aqui, todo o amor que eu posso oferecer para alguém. Estava guardado atrás de sua orelha todo esse tempo.

E assim, num outro passe de mágica, igualmente ligeiro, aquele nada todo virou em um tudo enorme. Era amor à primeira mágica. Diga-se, não vi ele fazer esse truque para mais ninguém, além dela. Ele não era um Don Juan das cartolas com coelhinhos.

Então, ambos se levantaram do banco azul da cor do céu. Se olharam outra vez, procurando um pedacinho de mentira naquele momento eterno e, como não encontraram nada de errado ali, ficaram assustados. Se beijaram de todas as formas possíveis num único beijo ligado a outro e a outro e foram embora. Ele tinha um espetáculo de mágicas no circo para dali a meia hora, ela tinha uma vida de verdade para a qual voltar. Nunca mais se viram e o garoto se tornou um atirador de facas amargurado e distraído – combinação bastante perigosa essa.

Um barquinho de papel numa poça...

Um barquinho de papel numa poça...

Todos a bordo, vamos zarpar! Soltem as amarras, soltem tudo que lhes prenda ao chão, vamos navegar. Balancem seus lenços multicoloridos na balaustrada, e gritem seus adeus emocionados: au revoir. Esse é o maior barco que jamais existiu. Esse barco jamais existiu. E eu sou seu capitão-imaginário.


Um barquinho de papel numa poça...

Corram soltar aquelas cordas, esse é dos grandes! Se não deixarmos que ele volte para o oceano, nos afunda o barco todo, marujos! Não cobicem o que não podem ter, não mesmo. Se querem pescar, vocês tem que saber quando é pequeno demais e quando é grande demais para levar para o mercado. Alguém lembra o conto o velho e o mar do Hemingway? É uma história muito interessante para o momento... Certo, certo, sem divagar, sem divagar, temos primeiro que nos desvencilhar desse peixe fisgado que nosso barco não suporta. Cortem essas cordas! Deixem-no ir... Ou morreremos tentando!


Um barquinho de papel numa poça...

Um estranho som. Parecia vir de dentro da própria cabeça de quem ouvia, parecia vir de todo lugar. Ninguém sabia dizer o que era, mas todos ouviram. Alguns fizeram o sinal da cruz, outros cuspiram no chão. Teve alguém que gritou um palavrão e depois falou o nome de seu santo, não sei se xingando o santo, amaldiçoando sua própria sorte ou tentando fazer-se escutar com mais eficácia por seu padroeiro. Surgiu algo como uma tempestade, o oceano estava revolto e tiveram que lutar muito por manter o barco e seus pescoços fora da água. Todos tinham experiência com tempestades e todo tipo de agrura, mas nunca nada como isso. A tormenta parecia vir de baixo, do fundo do mar. Junto com o som indefinível. Por um instante ficou tudo calmo. Não havia mais ruído, nem tormenta. O Capitão abriu a boca com o grito...

- Vamos sair logo daqui, seus...

Mas ninguém ouviu o resto da frase. Uma coisa, que ninguém soube dizer o que era, levantou-se de algum lugar amaldiçoado daquelas águas com um ganido ensurdecedor que não parecia dor ou qualquer coisa e, definitivamente, não era um desejo de boas-vindas. O Monstro gigantesco jogou o barco longe com o movimento de levantar-se, os marinheiros gritavam, choravam, morriam aos baldes. O monstro matou mais tripulantes de susto do que o próprio oceano, pegou o barco com tentáculos que saiam de seu rosto e jogou-o fora. Olhando daqui, poderia ser dito que ele queria brincar de assustar aqueles homens – e funcionou, morreram de susto, inclusive. Também, aquele monstro era incomensuravelmente... feio!


Um barquinho de papel numa poça...

“Essa é minha última mensagem para o mundo e espero que alguém leia, algum dia, pois fui escritor, mas não escrevi. Essa era para ser minha viagem em reconhecimento do mundo, onde veria coisas maravilhosas e escreveria sobre elas como ninguém. Tivemos problemas, passando pelo cabo da boa esperança, enfrentamos uma tormenta dos diabos. O barco sucumbiu e com ele boa parte da tripulação. Restamos apenas o capitão, sua esposa e a mim – acho que havia lido em algum lugar que mulheres a bordo dão má sorte... Péssimo modo de começar a acreditar em superstição marítima. O capitão estava ferido, escorregou no convés durante um passeio matinal e fez um corte imenso na perna direita, jeito engraçado de se machucar, com ondas que tinham duas vezes o tamanho do mastro durante o auge da luta entre homens e mar, ele foi logo escorregar e cair, num dia ensolarado e fagueiro. Por sorte restou intacta sua perna de madeira. O corte infeccionou e, depois de alguns dias a deriva, fiquei acompanhado apenas da Judy, digo, Srª Judy. A comida era escassa, tínhamos apenas um kit de sobrevivência que o capitão gostava de manter por perto e parecia agora viria a calhar, mas, a infelicidade rondava aquela nau porque alguém mexeu nas coisas do capitão e comeu todo seu estoque de bolachas salgadas e iogurtes que haviam na bolsa. Não que eu ache que se ainda estivessem lá, ajudariam muito, nesse caso. Sem orgulho de dizer isso, tivemos que comer partes do corpo do capitão. E tentamos sem sucesso usar sua perna de madeira como remo, foi uma bela tentativa - falha. A Srª Judy enlouqueceu por conta de tanto sol e, para bem do resto da tripulação que ainda mantinha sua sanidade eu, pessoalmente, usei a perna de madeira do capitão para tentar assustá-la e com isso trazer de volta a sua razão, o que não deu muito certo, pois ela se assustou demais e morreu. Fiquei sozinho. Não como há vários dias, não sei ao certo quantos, perdi as contas de qualquer coisa. O Sol é quente demais por aqui e a água salgada me deixaria louco. Não sei quanto tempo o corpo humano aguenta nessas condições, acho que li um conto parecido, mas não recordo bem... Então, vou esperar para ver o que acontece e enquanto isso escrevo esta carta, tomo minha última garrafa de coca-cola, onde colocarei estas últimas palavras e aguardarei nelas ser encontrado, na forma de uma memória escrita e assinada por mim, caso não seja salvo a tempo...”

Ass. Sir Afogado Anônimo.


Um barquinho de papel numa poça...

- Alguém solte essa vela! Com esse vento teremos o barco partido ao meio! Vão, corram fazer o que mando! Já vi centenas de tormentas piores do que essa e perdi minha perna esquerda numa delas. Acham que isso me bota medo? Pois, Deus ou o Diabo terão de fazer muito mais para assustar essa carranca!

A tempestade não cessava, apenas se fazia piorar mais e mais. Os marujos por mais experimentados que fossem tiveram medo. Um a um caíram ao mar. O capitão não podia fazer muito, machucara sua perna direita há poucos dias e sua perna esquerda era há muitos anos de madeira – polida atentamente uma vez ao dia. Ouvia-se um toc toc assustado e veemente por todo o convés mas, apesar de ser lobo do mar, dessa vez o capitão não conseguiu salvar seu barco nem sua tripulação. A última coisa que viu antes de desmaiar foi um pedaço do mastro vindo em sua direção e só acordou quando já havia sol, no que restara do barco, com sua esposa e um tripulante que não lembrava o nome. Um escritor fracassado que tentaria a vida em alguma outra terra, ou que quisesse experimentar o mundo para poder escrever alguma coisa decente. Não conhecia nenhuma obra do garoto mas, esperava que tivesse escrito algo notável e deixado em algum lugar seco.

Um barquinho de papel numa poça...

Era um barco que botava medo mesmo de longe, mesmo quando ainda estava rondando o horizonte à procura de um porto, mesmo de perto, quando suas cicatrizes de guerra apareciam ainda mais claramente. Havia muitas lendas a seu respeito: era um barco fantasma, era um barco pirata, era um barco de piratas fantasmas, era um barco que cobrava impostos para a coroa. Ninguém sabia ao certo o que saía daquele convés, não sabiam sequer se era humano. Até que um dia, alguém sobreviveu ao ataque do barco misterioso.

Era um dia de mar calmo, agradável, alguns homens dormiam espalhados pelo convés. Alguém coçava sua perna de madeira. Até que ouviram um tiro de canhão, e os gritos de uma galera que se aproximava. A selvageria dos sons e palavrões que vinham daquele barco botaria medo até no cara mais durão. Tentaram fugir, mas a nau que vinha ameaçadora era mais leve, mais rápida. Aos poucos o mistério ia se dissipando e a tripulação fantasma se fazia cada vez mais humana: eram piratas. Famintos. Cheios de cobiça e pecados no baú.

Meteram duas balas de canhão antes de dizerem palavra. Chegaram com calma e tomaram o barco. Pediram tudo que tivesse de valor e isso incluia qualquer biscoito com camada dupla de chocolate e que não tentassem esconder porque o capitão tinha bom olfato! O Capitão era o próprio Barba-Grande! Uma lenda dos mares, um medo constante entre os tripulantes, uma inveja. Barba-Grande gritou, grunhiu e esboçou algum sorriso apenas quando encontraram o baú com biscoitos de chocolate e balas. Mandou que colocassem em seu barco e, nesse momento, viu-se a imagem aterradora que deixa marcas em todos que vêem aquela nau: a bandeira, negra, com uma caveira de ursinho de pelúcia ameaçadora que lhe observa e espadas enormes que formam um X.

O Barba-Grande se despediu, ao som de seu assobio desafinado, eu acho que era alguma das músicas do Beethoven. E o barco desaparecia devagar, no horizonte. Todos ficaram felizes por não terem morrido, por não terem sido jogados ao mar ou qualquer coisa pior. Mas, naquela tarde, o lanche não teve biscoito nenhum. E o sabor agridoce da perda do chocolate aumentava a raiva e o ódio. Aqueles homens eram a pura vingança!


Um barquinho de papel numa poça...

Estavam os dois sentados num pequeno barco a remos, onde mal cabiam eles e seus equipamentos de pesca. Mas, já contavam vários anos dessa prática sazonal de pescarem juntos nas férias. Juntando a calvície de um e os cabelos brancos do outro, somavam mais de um século de vida. Nem lembravam mais quando algum deles tivera a idéia de pescar, mas era uma ótima pedida, agora que o futebol ficava cada vez mais difícil de ser jogado até o final da partida.

Estavam os dois sentados, no meio de um lago, boiando pacientemente em seu barquinho de madeira com um furo ou outro que não era comprometedor. Tinham coletes salva-vidas e bonés para se protegerem do sol. Um isopor que suas esposas encheram de sanduíches e refrigerantes, mas que esvaziaram daquelas coisas supérfluas e colocaram cervejas até não caber mais. A idade veio, mas, um deles sem medo do câncer ou o que quer que seja, acendeu um cigarro no barquinho. Gostava de pensar que poderia ser o último, que poderia ser especial, que poderia significar absolutamente nada, ou poderia pegar um peixe de repente e ter que jogar seu cigarro longe, antes de terminar – tantas coisas que poderia ficar horas apenas brincando de imaginar.

- Esse lago não tem mais peixes e eu já lhe falei isso.

- Não seja ridículo, como poderia não ter um único peixe nessa água toda?

- Se eu chegar sem peixe em casa, a Gerta vai desconfiar.

- Desconfiar de que? Nessa idade? Ela acharia é muito engraçado você estar dizendo isso.

- Quer um cigarro?

- Mudamos de assunto, é? Quero.

- Voltou a fumar?

- Não, oficialmente.

- Acho que vi um peixe passando ali!

- Está vendo coisas, velho burro.

- Tem cervejas ainda?

- Para o resto da vida, eu diria.


Um barquinho de papel numa poça...

Um garotinho pega uma folha de papel, branca, que encontra no parquinho e corre até seu pai. Mostra o achado com um sorriso inquiridor, que não precisa de palavra.

- O que vai ser dessa vez?

- Um barco!

O pai dobra vagarosamente o papel, ensinando passo-a-passo seu pequeno como fazer, até a forma de um barco aparecer. O garoto já tentara por si só fazer suas construções em papel, mas seus barcos ainda não eram tão impermeáveis e seus aviões precisavam de mais penas. Seu pai que não viu no papel nada além de papel por muito tempo depois de sua infância, gostava de encontrar nos olhos do filho o brilho que tiveram seus próprios em outros tempos. Já fizera muitos Titanics e S. S. Qualquer Coisa, já colocara muitos cubos de gelo em locais estratégicos da banheira para os barcos afundarem, como pedia o filho em suas aventuras durante o banho. Já fizera até mesmo uma guerra aérea inteira, com sonoplastia e tudo. Não se pode dizer facilmente quem se divertia mais.

Hoje seria um barco. Mas, que barco seria esse?

O garoto pegou da mão do pai, quase sem terminar, seu novo brinquedo e saiu correndo. Chovera a noite anterior e havia uma poça ali perto. E lá vai um barquinho de papel a navegar – navegando a remos, a vapor, navegando a nado. Um barquinho de papel em um poça pode ser qualquer embarcação que você queira imaginar. Naquele dia, as aventuras marítimas foram as mais bravias e mais calorosas. Nunca os romances foram tão ardentes. Nunca as terras desconhecidas estiveram tão perto, nem os povos canibais amedrontaram mais. O mundo estava ao alcance de pequenos dedos, muito mais responsáveis do que os meus que escrevo hoje, para controlar tudo. Nunca houve pores-do-sol mais poéticos do que naquela tarde. Nunca, até o dia seguinte.


Um barquinho de papel numa poça...

sábado, 17 de julho de 2010

Estou com frio.
Mas, está bem pior lá fora.
Meus pés estão gelados.
Mas, ao menos eu tenho pés, não é?
Pareço uma centopéia com incontáveis pés gelados.

O que quero dizer esta noite? Pensando bem, não sei. Tive um número infinito de palavras entaladas em minha garganta, vontade de gritar não faltava e o discurso estava todo pronto, com slides e desenhos e tudo o mais. Mas, não falei coisa alguma, outra vez engoli sôfrego meu amor contido e mandei que se calasse, para ouvir meus pensamentos, capazes de domesticar o que sinto. Ainda tenho muito o que dizer, mas, consegui deixar essas coisas guardadas em minha caixinha de música com uma bailarina, cheia de poeira, debaixo da cama ainda mais uma vez.

O que quero dizer esta noite? Quero jogar conversa fora, ficar sem fazer nada que se possa chamar produtivo. Jogar conversa fora. Falar bobeira de boca cheia e rir debaixo das cobertas, escondidos do frio. Escondidos do mundo lá fora. Protegidos por uma dupla camada inexpugnável de cobertores feitos com fios de um material indestrutível-top-secret-que-eu-nem-sei-como-chama. Aqui debaixo não faz parte do mundo, isso aqui não é planeta terra, nem cidade alguma. Aqui é nossa ilha imaginária, um cenário criado artesanalmente por nossas loucuras desvairadas. Lembro bem de nossas aventuras nessas terras de ninguém além de nós. Não consigo chegar lá sozinho, então vivo de lembranças e saudades. Não consigo chegar porque se eu tenho o mapa, você tem a bússola, se eu tenho o navio, você tem a capacidade de me dar vontade e coragem para desbravar tantos mares quanto você puder imaginar.

Sinta o vento e as minúsculas gotas de oceano baterem em seu cabelo enquanto o sol deixa suas bochechas um pouco vermelhas, e veja a si mesma em algum espelho, porque você não pode perder esse momento. Porque você está linda e eu não quero perder esse momento. Apenas eu consigo enxergar essas coisas, nem você se encontraria a si mesma de tal forma perante seu reflexo - eu te enxergo! Eu enxergo você, no convés, dançando ao som das gaivotas que cantam estarmos próximos da terra. Meus olhos contemplam boquiabertos e minha boca entreaberta sussurra para mim: cale-se. Agora, eu posso sentir toda a vida ao meu redor: eu sinto minúsculas partículas se chocando na ponta de meus dedos, por conta do deslocamento leve do ar, eu sinto as madeiras que formam esse barco, cortadas nos bosques de nossa imaginação, sob meus pés e rangendo, bailando de acordo com o oceano, seu par que dita o próximo passo; eu sinto o sol me deixando cada vez mais moreno aqui em cima (aqui em cima do mundo); eu sinto a noite que está longe de começar; sinto você dançando em mim; eu sinto nosso mundo criado, contido nesse momento sublime, ouço alguém gritar "tira uma foto para não esquecer nunca disso" e respondo "eu não vou esquecer nunca". Eu sinto o presente, o passado e o futuro. Somos atemporais. Somos nós mesmos nesse momento, somos o infinito vezes dois - pulsando.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Eu quero apertar sua mão e sair correndo por aí - sorrisos e caretas pela manhã. Fazer loucuras antes de começar o dia, andar de bicicleta em zigue-zague desviando estrelas, chocar-se com uma lua de qualquer planeta num ataque súbito de barbeiragem-e-foi-culpa-sua, e rir por conta disso (rir até que os três sóis desse planeta se ponham no horizonte de cores engraçadas). Chegar ao fim do universo infinito duas vezes antes que as luzes se apaguem e seja hora de dormir. Fazer piquenique nos anéis de saturno; brincar de esconder num buraco negro; cantar "I'm singing in the rain..." debaixo de uma chuva de asteróides! Sair correndo sem destino, por terra, céu e mar, sem ninguém que nos diga o que é possível e o que está apenas em nossa imaginação fértil de apaixonados ou loucos, que quer que seja (Mas é alguma coisa e das grandes!). Sem destino, ruas de terra batida, ruas de todo jeito. Andar para frente e para trás, andar em círculos - correr atrás de meu próprio rabo e não sair do lugar, mas segurar sua mão, onde quer que eu esteja. Mesmo que eu sinta medo, e minha mão comece a suar, espero sentir seu pulso entre meus dedos; mesmo que você tenha frio, e seus dedos estejam gelados, espero esquentar sua mão e tudo o mais (se é que você me entende, não é?). Sair correndo improvisando nossa felicidade, sem planos que possam ser frustrados e perceber, no final de tudo, que nosso improviso foi felicidade pura. Sem ensaio algum, saiu tudo como deveria ser: maravilhoso. Fecham-se as cortinas. The End.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Gostaria de gritar seu nome e dizer que te amo; gostaria de ouvir você cantar uma canção para mim; gostaria de ouvir seu orgasmo pendurado na ponta da minha orelha; gostaria de sentir seu cheiro deslizando por meu corpo; gostaria de ouvir seu coração batendo cada vez mais forte, gritando para nós dois: pára com esse barulho aí fora que eu quero dormir, porra!

Gostaria de apertar sua mão quando houvesse medo; gostaria de apertar seus dedos até escorrer a tinta de suas unhas e não restar maquiagem alguma para disfarçar quem somos; gostaria de morder seu pescoço até vê-lo todo roxo; gostaria de colorir o céu com nossas cores que não combinam; gostaria de dividir meu crepúsculo negro e minha vida monocromática; gostaria de sair contigo na rua apesar de sua incapacidade de combinar suas roupas, na verdade, justamente por isso, por você não saber combinar, por você ser quem você é;

Eu gostaria de dizer cada bicho estranho que enxergo nas nuvens passageiras! Gostaria de fazer loucuras a seu lado; gostaria de entrar em qualquer ônibus, sem saber sequer seu destino e fazer um piquenique no fim do mundo; gostaria de não ter limites; gostaria de ser passageiro do infinito; gostaria de ser tudo.

Gostaria de ouvir sua barriga roncar e ir comer porcaria; gostaria de ter um filho contigo, com cara de joelho e engolir seco quando disserem: é a cara do pai! (como assim? com essa cara de joelho?); gostaria de ter um cachorro e um peixinho dourado, talvez um gato mimoso que é mais a sua cara; gostaria de fazer um caminho de perfume até nossa cama e ali depositar pétalas de rosa e com elas formar a palavra "rock", ao invés de qualquer clichê; gostaria de encher o dicionário de clichês com verbetes novos, criados por nós - nossos clichês pioneiros; gostaria de sentar na praça para fumar um cigarro e conversar sobre como foi o dia até encontrar você; gostaria de preparar brigadeiro e com ele pintar sua cara; gostaria de ler um texto de madrugada, dos meus favoritos, para você saber com quem está se metendo; gostaria de ler um texto de madrugada, para fazer você rir; gostaria de ler um texto de madrugada, para fazer você chorar; gostaria de fazer você sentir.

Gostaria de dormir e sonhar contigo, acordar e estar do seu lado, com o rosto marcado pelo travesseiro, com baba para todo lado e, sem vergonha na cara, beijar um bom dia na sua bochecha; gostaria de desejar um "bom dia com alegria" na manhã de amanhã; gostaria de desejar "boa noite" depois de fazermos amor essa noite; gostaria de saber onde você está essa noite.

Gostaria de entregar meu coração de brigadeiro em uma panela para você; gostaria de te convidar para beber vinho tinto, sabe o que isso significa, não é? Gravata na porta e música alta no quarto. Não tenho gravatas, improvisamos. Gostaria de fazer muitas coisas contigo; gostaria de quebrar pratos na parede e gritar, fingindo uma briga; gostaria de fazer cócegas e te imobilizar no tapete; gostaria de lamber sua testa; gostaria de morder seu bumbum; Eu gostaria de fazer amor com você; gostaria de ficar imaginando fantasias sexuais com você e realizar todas elas antes de amanhecer, depois começar de novo e pensar em novas;

Eu gostaria...

sábado, 19 de junho de 2010

Poema passageiro

(Saudade)

Quando lhe vejo é tão breve
que não mata coisa alguma
que dirá a saudade que levo
em meu peito que não esquece

Muito menos essa saudade
que eu carrego em meu peito
que bate morrendo de medo
que nos esqueçamos a ambos

Finjo qu' está tudo bem comigo
mas, sei que somos duas metades
coisa completa quando unidos

no amor
no beijo
no toque
no olhar
no sexo

Distantes somos dois pedaços sem sentido p'ra quem olha: juntos, a inveja dos deuses.

terça-feira, 15 de junho de 2010

A Alma

Nunca deixem que eu morra neste seu triste mundo
Doce é a lembrança bem guardada nesta cova
Mas, não me podem a vida post mortem a um túmulo
Nem cortem as minhas asas tão sonhadas agora

Sim, joguem minhas cinzas aos quatro ventos sem rumo
E larguem minha alma sem destino nem lápide
Eu não entro neste pequeno mausoléu sem fundo
Sou mais do que este infinito pedaço de saudade

Não sou cheiro de morte em cemitério encaixotado
Eu sou todo pó e cinzas - cinzas do seu cigarro
Eu sou esse toldo azul estrelado cheio de sonhos quebrados

Não me deixa trancada nas fronteiras da saudade
Se essa metafísica é real não me segure em imagens
Que eu viva às voltas pelo mundo - meu corpo insepulto.

(Pena que a alma seja uma mentira, mas tem seu charme)

domingo, 6 de junho de 2010

Olhei fundo em seus olhos, procurei de cima a baixo alguma coisa lá dentro - baguncei todo o lugar tentando achar algo meu escondido em qualquer canto, poderia ser mesmo um pedaçinho ínfimo esquecido sem querer atrás de uma pupila, brincando com sua menina dos olhos, aliás, acho que ficaria feliz absurdo apenas por me enxergar refletido em sua retina. Contudo, não sei o que vi. Acho que não encontrei coisa alguma, afinal. Mas, demoro em aceitar essa verdade, porque é como não ter esperança. Veja que, apesar de pessimista, ainda tenho algumas recaídas esperançosas. Procurei em todo seu corpo algum sinal de meus dedos - marcas de nosso amor todo louco e empolgado em cima da cama e debaixo dela, pelo quarto todo. Quando lhe estendi a mão para ajudá-la a se levantar, tentei encontrar naquela toque simples algo mais que me gritasse para nunca mais soltar, procurei com tanto desejo seu amor por mim que quase encontrei! Veja que sinto seu cheiro daqui e fico louco por você; posso imaginar a textura de sua pele e seus cabelos caídos sobre meu corpo. Devo dizer, agora, que procurei com todas minhas forças alguma coisa naquele toque, mas, não pude encontrar nada ali. Guardei a lembrança ao lado de todas as fotos tiradas em momentos que você ia embora sem olhar para trás. Hoje está frio demasiado - adoro o inverno e seu frio cortante, mas, gostava mais quando você estava aqui comigo, em nossa cama, embolados em nossos cobertores, vinho, meu coração em brigadeiros que fiz para você, filmes e pipocas pelo quarto todo. (Pausa o filme, meu bem). Fazemos amor e tudo vai ao chão. (Junta a pipoca e dá play). Sorrisos, orgasmos e lágrimas. E meus pés não estão frios, porque nos esquentamos em amor, desejo e libido.

sábado, 29 de maio de 2010

Veja o quanto você mudou; Todas as coisas que perdeu pelo caminho que eram tão suas e agora nem lembra mais; Tantas ruas que você anda em suas noites sem sono não lhe dizem absolutamente nada. Tanta amargura em seu pranto; Tanta vontade disso e daquilo, de ser e ficar com preguiça de continuar sendo - de mudar e refazer, mais e menos (eu desejo fazer tudo o que quero infinitamente pelo resto da minha vida); Eu quero mudar a cada passo - a cada olá; Eu vou ser o que sou e tudo o que você é, eu vou ser como aquele cara e como essa garota; Eu vou ser tudo e todos da forma que eu quiser; Mas, agora você não consegue acreditar em suas próprias palavras; Não consegue encarar o olhar duro de si mesma no espelho; Fica quieta quando está sozinha, por medo do que vai dizer; Não reconhece seu rosto quando o vê refletido, de onde surgiram essas marcas? Não espera alguma coisa do futuro, não reclama, contudo, desse aspecto duvidoso, mas gostaria de ter um lugar para ir, um lugar para olhar; Todas as pessoas começam a se enganar em algum momento de suas vidas, acreditando nas coisas que querem, isso pode ser aceitando a mediocridade do dia-a-dia e meias verdades, ou sonhando acordado com alguém achando que aquilo é sincero; Quem consegue ser todo sonhos nesse mundo tão real? Eu espero conseguir chegar ao fim da minha passageira existência e então gritar para mim o mais alto que eu puder: jóia, campeão, show de bola! Mentira, claro que não vou dizer uma coisa ridícula dessas no meu leito de morte que pode nem ser um leito - vai ser o que eu quiser; Eu só espero morrer e pensar que estou acordando e não indo dormir - acordando para uma possível realidade do outro lado, porque aqui eu sonhei e foi assim a minha vida, de uma noite para outra, de sonho em sonho; Eu vou lhe dizer para onde vou se algum dia você quiser vir atrás de mim: te espero no meio do nada ao lado do infinito, próximo àquela estrela azul calcinha, vê? Logo ali onde todas as coisas se encontram para tomar um café; Onde todos os sonhos param para tirar um cochilo; Achou? Os mochileiros que passam carregam apenas vida e um ou outro cigarro nos bolsos; Ninguém tem medo nesse lugar? Quem teme e treme é o próprio medo, nós não tememos, apenas continuamos andando para onde quer que nossos pés nos levem - leves como uma nuvem; Eu olho para o céu noturno e canto uma canção (Vai minha tristeza e diz a ela que sem ela não pode ser); eu olho para o chão e assobio uma melodia; Eu corro na relva sem sapatos e subo em árvores até o ponto mais alto que alcanço; Eu brinco com minha vida, porque vou sair morto daqui de qualquer forma: eu vou morrer, e você? Não tenho por que calar, temer, conter, guardar, esconder, suar frio porque é perigoso viver. Eu não tenho porque me cuidar, eu serei incondicionalmente e sem um pé atrás. Eu vou partir minha cara no muro mais próximo e quebrar meu coração em partículas invisíveis de tão pequenas: mas não passo por essa vida sem viver tudo o que algumas pessoas apenas conseguem imaginar. Eu sou o que você sonha. Me dê sua mão e suba aqui, essa é minha estrela favorita para sentar e ficar observando o mundo: olha como as pessoas parecem formiguinhas confusas correndo de um lado para o outro; olha como tudo o que você tinha sob seus pés é minúsculo; só cuidado para não cair, sei que vivo minha própria loucura e crio minha realidade, mas ainda não consegui aprender a voar, babe. Eu só sei que não saio desse lugar sem viver a minha esquizofrenia diária; Não passo por essa vida sem viver.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

(Depois eu canto ela para você, quando meu violão não for tão pesado que nem consigo mais tirá-lo do chão; mais tarde pode ser tarde demais; minhas notas podem não valer a pena; minhas piadas são sem graça e meu amor é chato).

Eu ando distraído
Minhas meias nem combinam entre si
Acendi um cigarro pelo filtro
Comecei a ler um livro do fim
Falei palavras sem sentido
Só pra ouvir alguma coisa

Enchi o meu copo com uma bebida que eu nem sei
Errei toda nota nesse violão sem cordas

Sem planos pra minha vida
Nenhum sonho debaixo do travesseiro
Sem seu beijo em minha boca
Sem seu cheiro de cigarro na minha roupa

Eu ando distraído
Meu mundo de ponta cabeça
Sem calma sem graça
Como uma tragada breve que não deixa marcas
Como um sorriso esquecido num guarda-pó nunca mais visto

Tentei abrir por engano a porta de estranhos no meio da noite
Me perdi numa rua vazia, sem carros, sem casas, sem nada

Sem planos pra minha vida
Nenhum sonho debaixo do travesseiro
Sem seu beijo em minha boca
Sem seu cheiro de cigarro na minha roupa


quarta-feira, 26 de maio de 2010

Dialogue to the moon

I' m sorry not to be able to feel it all the way this might take. Not to see the great meaning this could take, but she ain't coming. I'm pretty sure what my eyes see and countless feelings I should only wonder about stands right in front of me. I could bark to you or tell one of my poems; I could spent whole night staring at you as your nearest star; I know what this moment offers to me as well as you do; but she ain't coming tonight. Probably you argue this is my very best night and might offends my discase, but she ain't coming. I should spent whole night trying to forget her fault and by the sunrise be glad I slept in your arms;

I' m sorry, she should be part of it, and I tell you what: she ain't coming... she ain't coming.
De repente eu entendo porque um número tão grande pessoas se apaixonam pela lua e escrevem tantos poemas sobre ela. Pela minha janela posso vê-la enorme e brilhante no céu e olho diretamente para seus olhos - que imagino estarem lá me enxergando tão bem quanto eu a vejo. Arrasto para o lado o vidro que me separa da noite lá fora e sinto o frio entrando sorrateiro em meu quarto, sento em minha cama e puxo a coberta para esquentar meus pés enquanto olho para cima e vejo tudo o que muitos outros perceberam estar ali desde sempre. Parece agora tão óbvio preferir a noite ao invés do dia, eu consigo entender todos esses andantes noturnos - a lua é como uma verdade intragável que você aprende a conviver, e quando a compreende plenamente é como se todas as coisas ditas até então pudessem ser esquecidas e perdidas num lapso de memória moldável segundo suas próprias vontades. A lua é uma verdade que você pode encarar nos olhos, ao contrário do sol que lhe deixa cego com sua claridade excessiva - uma mentira ofuscante que se engole agridoce goela abaixo. O sol é superficial, você não pode olhar para ele até conseguir entendê-lo - simplesmente aceita o pouco que aguenta e convive com uma meia resposta. Aqui está tudo que se pode dizer, na luz que vem da escuridão. E lembre que se a lua brilha na sua frente é porque o dia começa do outro lado do mundo e a vida continua para outras pessoas totalmente diferentes de você. Parece que essa pequena bolinha brilhante do céu vai cair em meu colo a qualquer momento e vou dormir enquanto embalo todas as noites enluaradas desse extenso universo de todos que estão aí para viver suas vidas onde são mais felizes. Parece que posso sentir o pedido de todos aqueles que são tristes me pedindo para aproveitar esse momento e como eu gostaria de ligar para ela e marcar um encontro bem no meio da rua, agora, nesse instante, só para olhar para cima e segurar sua mão - mas, tenho medo de acordá-la por nada. Boa noite a todos que vêem o que vejo, e também a quem perde esse momento. Durma bem, pequenas criaturas do dia (vocês não sabem o que estão perdendo)

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Acabaram os cigarros, acabou-se tudo, não tem mais música, nem beijos e abraços; não existem mais sequer mentiras e sorrisos improvisados; não há mais riso e gritos encarniçados; sem brincadeiras bobas e piadas sem graça; acabaram as noites calientes e os beijos apaixonados; nenhum gemido na noite gélida; sem orgasmos debaixo das cobertas; pés frios, pois só a quatro pés se esquenta alguma coisa; sem mais horas afoitas por causa do encontro de daqui a pouco; sem minha voz rouca em seu ouvido; sem seu olhar furtivo - a não ser o que está colado na parede como lembrança, restaram saudades espalhadas pelo quarto e a marca de seu amor em meu corpo. Restou alguma coisa além disso? Uma esperança incontida de lhe encontrar novamente ou alguém que me lembre incondicionalmente você. Restou um adeus entalado na garganta e um beijo estalado nos lábios, além de um coração pequeno e frio que, como o do Grinch depois do natal, aumenta seu tamanho e começa a bater só por vê-la passar.
Ela não quer falar comigo novamente, vai agir como se eu não existisse. Talvez algum dia volte para dizer "olá" ainda outra vez. Mas, acho que o mais certo é que nessas idas e vindas ela acabe esquecendo de me encontrar enquanto eu fico esperando. Enquanto carrego nossos sonhos nos braços, ela vai deixando-os morrer pelas esquinas da vida. Vai me ignorar de novo enquanto só penso nela. É engraçado, se lhe é tão indiferente me ver ou não, por que me incomodar com isso? Não deveria mais pensar nela. Agora estamos em nossos lugares, somos lembranças gostosas de mastigar como um algodão-doce maior do que nossos próprios rostos e temos pedaços grudados até aos cabelos. Com sorte ainda sou uma saudade. Ela é a garota dos meus poemas e de meus sonhos. Agora ficou apenas uma imagem melancólica de como ela era, uma representação, uma idealização intocável que tenho medo que desapareça - mas está em seu lugar, linda como sempre foi, e sem poder me machucar: atrás do muro invisível que separa a vida do sonho. Já que decidiu ir embora e não quer mais falar comigo, acho que eu deveria parar de escrever sobre essas coisas - sobre ela, apesar de escrever o que é meu por direito, ou seja, a ideia que fiz dela - talvez algum dia eu pare. Com sorte, algum dia serei para sempre o que quis ser com ela. É uma pena que minha alma inquieta tenha encontrado seu colo branquelo e gordinho capaz de lhe dar alento, mas não possa viver essa paixão modesta e enorme ao mesmo tempo. Quando as coisas vão embora, substitui-se o que havia ali; Eu não imagino nada que possa ocupar seu lugar. Deixo minha vida intragável na porta de seu quarto e meu coração de brigadeiro na geladeira para o caso de você voltar algum dia, para matar sua sede de mim nas lembranças póstumas de quem nunca esquece.

domingo, 23 de maio de 2010

She stares me under the spot light. In the middle of this creep night, right between all things said and undone. I might wonder is cold outside, where the lights can’t easily turn on the darkest side inside us; I feel damn sure that is happening all over the place – people get hurt, they start to cry, some of them deserve to die and you couldn’t help anyway. But here stands this girl in front of me under the spot light and it shows me her appearance and even her soul is so clear. It’s hard to say exactly what she is doing right now, for sure she looks at me. I try to run away, at least hide my own eyes in my dirty clothes. Maybe I could be wronged and she is looking elsewhere. What is that freak light after all? Ain’t moonlight. Stop looking me asking why such things happen. I want to hold you against me and whisper all I know about life, the universe, you and me. I tell you what, say hello and I’ll walk to you. Say anything and I’ll walk to you, or tell me to go outside and be as cold as the night goes on.

sábado, 22 de maio de 2010

I used to be so comfortable with my assurances – and that means my own sadness, yet my crazy little crises on existentialism. By now all my self confidence is gone and I actually don’t know how to follow its steps anymore. What I was in the past walked away from me. The worst part is that it was not my fault. I mean, probably you’re judging me at this point, but guess what, I couldn’t help my sanity this time. See, there is a girl in the whole story, it starts with her and end up now that she isn’t here anymore. What I still feel about her is so fucking unbearable; because you can’t love that much one single woman, can you? It’s agonizing to see right into her eyes and just wish to be quiet feeling her breath in your own body. I past uncountable nights messing with her hair after she slept and staring at her sleepy face in the pillow. I just loved playing with her hands and feet. I tell you what, talk to her in bed and smoke beside her after sex was so damn good that I can’t easily stop to think about all this. My earlier life was to be hard pressed into bad dreams, painful nights and days like nights. And then she came, dancing in my front door; that’s when I just met my madness. We got what all you people only can whisper about. What we lived could ruin some philosophical truths around the world about being happy. But God is a Bitch with a Big Bad B, you know? So it’s over by now. I can’t find myself without her anymore, what means nothing or even less to her and we still by ourselves. As she came by, dancing in my front door, she went away on a non starry night yet dancing and singing my music. While she walk away I want to call her back, but she can’t listen to me and keep on track. So I die in the road, I stop walking and don’t want to take a ride. Maybe she turns back and I’m afraid if I move a finger she couldn’t see me. I stay for a while. It could be forever. Anyway, my life is to be forever hers – she standing by me or not. Now I sit by myself in the middle of the street and look up to the sky, but not even a cloud of good luck, nor a single star has the courage to shine again. I gently scratch her front door to ask her to one more dance. I wish we could sing another day once again. I wish she at least hears my softly knock knock and maybe opens the door in funny pajamas asking me why the hell I took so long to came.

Night night, sweetie.

sexta-feira, 21 de maio de 2010


Peguei meu violão. Essa é uma música do The Pogues que gosto bastante, a versão original é totalmente diferente:

1. Porque não sei cantar
2. Porque eu fiz coisa minha na música, ficou desse jeito

(A música é boa de verdade, veja a versão original)

Cante uma canção, mesmo que você não saiba cantar!

PS: I love you 'till the end, babe.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Desviou o olhar acanhada e com medo do que eu poderia enxergar em seus olhos. Falava comigo olhando para o chão, para que eu não soubesse o que dizia e porque não queria aquele sentimento pulsando dentro de si. Não havia espaço ali para que ela se apaixonasse por mim - ao menos se sabe que não era o que lhe apetecia. E quando me fitava, deixava ver-lha por dentro, sem querer, e o que eu via era a confusão que ela sentia por estar nisso tudo. Havia ali qualquer coisa de medo de não saber como sair ou perder o controle da situação. Eu mesmo poderia dizer que preferia que ela olhasse para o chão, ou que me encarasse com despudorada certeza e vontade, mas devo confessar que adorava encontrar mesmo aquela apreensão, porque tornava tudo diferente - trazia sentimento, ou a tentativa da negação dele (que negar é ter, ou o medo de ter, todos sabem). Quando me encontrava os olhos, assustada e confusa, podia ver a explosão de questionamentos que enfrentava. Poderia tentar compreender o por que desse medo, mas o meu próprio eu já havia jogado pela janela. Talvez eu devesse ter me protegido mais e enfrentado minha acusação de estar apaixonado sozinho, mas, erro meu, lha expus toda uma argumentação pautada por meu amor ensimesmado em nós dois - devo ter-lha amedrontado ainda mais. Devo ter impelido ao término da coisa toda, porque não soube dosar meu amor homeopáticamente. De qualquer forma, o romance termina em peças partidas e partidas definitivas, não sei se minha segurança era pela certeza de que um dia acabaria (mesmo que eu me jogasse sem corda para voltar, mesmo que eu não saísse do lugar), ou se eu estava seguro porque imaginava ali a quebra do paradoxo atual de romance breve. Acho que sonhei com ela a plenitude de sentimentos possíveis aos casais da literatura e dos filmes e não tive medo porque acreditava piamente nisso. Contudo, é difícil se quebrar a força de uma tradição e ainda agora os relacionamentos são ligeiros - o tempo de um cigarro. Piegas, devo dizer, mas sonhei com ela sermos a essência mesma da fumaça de nossos cigarros que baila no ar e desaparece, mas não deixa nunca de existir. Vamos para todos os lugares, em pequenas partículas somos o mundo e o universo. Eu sonhei a seu lado o eterno da matéria, mas em estado onírico. Sonhei nossa vida juntos e viramos sonhos e saudades agora. Ainda hoje, feliz ou infelizmente, sinto a taquicardia que sempre me deu ao vê-la. Espero que seja na verdade um problema crônico. (O que seria engraçado, dizer que sou doente de amor, pois logo trataria por sou doente por você).

terça-feira, 18 de maio de 2010

Dois corpos entrelaçados se olham, enquanto brincam de ser feliz. Dançam pelo quarto calados em seus passos ensaiados e não precisam de música. Subindo pelas paredes fazem amor e sentam no teto para fumar um cigarro depois do sexo e conversam. A fumaça corre em direção ao chão. Ninguém entende o que eles falam, lá em cima, somente eles sabem o que querem dizer. (Como uma piada interna, só deles). Descem para a cama e se embolam nos cobertores, tentam esquentar os pés um do outro porque esse inverno está muito frio. Se abraçam e se amassam num pequeno colchão de solteiro (onde teoricamente cabe um solteiro, mas aqui tem duas pessoas que se encaixam perfeitamente bem nesse espaço); na verdade, não se importam nem um pouco em se apertar ainda mais - diria até que sobra cama nesse lugar. Olhando de longe, parece uma bola de gente cheia de cores e texturas. Mais de perto, você não sabe dizer o que é, porque só eles podem lhe dizer o que são naquela hora. Para ser sincero, é como uma pintura expressionista: você não a entende, apenas sente o que ela quer dizer. Assim fomos eu e você, um quadro maravilhoso. Repletos de cores e significados, pinceladas rápidas e furtivas, outras fortes, outras pedantes; um quadro inesquecível jamais pintado. Quem em sã consciência conseguiria imaginar uma imagem tão perfeita? Ou, ainda mais sério, onde conseguiriam cores tão vivas para colocar isso tudo numa tela? Não acho possível, visto que nós mesmos não somos possíveis - nem existimos. Somos o que além disso? Sozinhos, somos auto-retratos simplórios, mas, juntos, somos uma pintura imaginária sem autor nem quadro. Somos tudo o que quisermos, sem limites de traços mal feitos. Somos.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

E agora? Agora eu corro em círculos até cansar; agora eu acendo meus cigarros pelo filtro; agora eu bebo sem estar com sede; agora eu sonho sem estar com sono; agora eu sorrio sem querer sorrir; agora eu escrevo sem querer escrever; agora eu sou sem querer ser; agora eu me deito sem querer deitar; agora eu vejo tudo como não gostaria de ver; agora não faz sentido, agora não existe mais; agora não é nada porque não pode ser medido; agora não é ciência; agora já passou; agora sou eu que já passei; agora é agora e já foi; agora é nunca mais e não volta mais; agora é a hora de se deixar levar pela vida de braços dados com alguma coisa sem sentido; agora é andar a esmo pelo centro da cidade sem nem saber para onde se vai; agora é esperar pelo não-se-sabe-o-que; agora é gritar o nome de não sei quem; agora é deitar no colo do vento procurando alento; agora é ser por obrigação e sem sonhos, sem vontade; agora é ver um filme sabendo o final; agora é ficar calado por medo; agora é ter medo; agora é o passado, quando alguma coisa foi de verdade, porque o que é agora não é nada.
A vida não é tudo isso. Às vezes você cansa de ser o que não é, sorrir quando não quer e mentir para ser feliz. Algumas coisas mudam, outras deveriam mudar mas não o fazem. Viver é o que? O medo mesmo de se viver, um passado que magoou que impede que você seja plenamente o seu presente. É o que? Se não é estar por aqui e ficar calado esperando que tudo acabe. Um dia você aprende que nisso se deve passar mentindo; porque as pessoas não suportam a verdade, porque você se importa demais com alguém e não quer magoá-la, porque desse jeito é melhor, então você mente para seguir esse caminho. Um dia você aprende também que nisso se deve passar sozinho; não para que você não saia magoado, mas para não magoar a outra pessoa. A vida nem sempre é divertida, nem sempre é alegria: o problema é quando a parte triste é mais intensa e vigorosa, e daí? De qualquer forma, já tive o suficiente das coisas que gostaria de experimentar: o que quer dizer "amor". Já amei o bastante e fui amado em troca. Na verdade, meus relacionamentos podem ser explicados pela teoria Hegeliana da tese, antítese e síntese. (foi um insight de agora há pouco). Na tese, tive uma garota há bastante tempo, minha primeira namorada: pueril e bonitinho; Antítese: sexual e erótico; Por fim, a síntese que é a junção das anteriores. Amor Hegeliano. O que me deixa um tanto quanto confuso, é que não existe nada para além disso. Na tese eu sonhava com a antítese, na antítese eu sonhava com a síntese - mas nunca imaginei nada além da síntese. Diria que esse último romance foi tudo o que já sonhei. Também posso dizer que sei o que acontece quando você alcança um sonho e ele acaba: eu não tenho mais sonhos, mas vivi o maior de todos eles.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Existem coisas pelas quais você não pode fazer nada, não há uma parte boa em tudo; que o bem complementa o mal, e existe em sua direta relação e se definem um ao outro, sabemos, mas não quer dizer que seja possível equilibrar-se pautado nisso - pegando um pouco de cada um e usando quando apetecer. Uma xícara de prazer depois de uma decepção, para relaxar. Não é sempre que se encontra a alegria, não é sempre que as pequenas coisas que melhoram a vida estão visíveis, além disso, talvez algumas pessoas simplesmente não queiram encarar o mundo com um sorriso e mesmo dizendo que algum dia querem ser felizes, elas tem medo disso porque não sabem como é. Admita-se que viver ensimesmado e deprimido é mais fácil e menos cansativo; se você já está decepcionado não há meio de se decepcionar ainda mais; aliás, sabe quantos músculos são necessários para formar um sorriso? Sorrir é fatigante, acabo por ter algum tique nervoso, o canto da minha boca treme. Não entendo por quê as pessoas tem tanta aversão aos tristes, no máximo lhes guardam piedade e tentam fazê-los sorrir. Por que toda conversa amigável tem que começar com um sorriso? Porque somos superficiais demais e não conseguimos conhecer os sentimentos de coisa alguma, um sorriso amarelo e sem graça ainda é um sorriso, mesmo que nos olhos gritem pavor e medo. Por que os animais que mostram os dentes num esboço de sorriso são os favoritos do homem? Quem é o melhor amigo dele? O cão sorri um riso que não lhe significa nada e o gato que é sério demais é mal visto. Que sina com dentes. Sei, sei que é cultural, que em algumas sociedades o sorriso significa outras coisas ou nada, e os olhos que dizem tudo. Acho que só cansei de sorrir e estou sendo chato. Mas basta um sorriso para fingir que está tudo bem; como não percebem a mentira que há nisso eu não sei, devem perceber... hipócritas. Desmascarei esse hábito de mostrar os dentes, sorri para mim mesmo no espelho e vi que era falso. Chega um momento em que você cansa dessas coisas. Agora a vida escorre em lágrimas e sangue, manchando minha roupa com as marcas memoráveis de minha dor. Devagar essa nódoa insossa sai de suas feridas e desliza por minha pele se misturando com suor e poeira.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Agora passou a vontade de dormir, a intuição de sono, a preguiça de viver e estou aqui ainda: Bom dia.
Amanheceu definitivamente, está tudo muito claro - mais do que eu gostaria. Preferia estar dormindo, para ser sincero. Ouço carros com pessoas atrasadas para o trabalho, buzinas e muito barulho; pedestres apressados e pessoas esperando ônibus impacientes. Meus olhos ardem, estão muito tempo sem descanso e reclamam; as coisas ao meu redor parecem mais embaçadas do que de costume (não enxergo longe, mas hoje está pior). Fui procurar alguma coisa para comer e algum café, mais para passar o tempo do que para manter-me acordado - não tenho dificuldade em ficar de olhos abertos, mas sinto que deveria dormir. De qualquer forma, a hora de dormir já passou, agora vou esperar anoitecer novamente. Fiquei andando de um lado para o outro, a esmo, pensando no que fazer, em como fazer. Acabei por tomar meu café-da-manhã aqui perto, sem vontade alguma, sem fome e sem sede, apenas por praxe e nada mais. Essa manhã é como todas as outras, prefiro indubitavelmente o instante pouco antes de começar o dia, quando não se sabe se amanheceu ou amanhece, sabe? Pouca luz, mas uma inegável claridade; um azul muito peculiar no céu; um frio gostoso que não se sente durante o dia, nem durante a noite; um breve instante e já acabou; entre o dia e a noite; entre a claridade e a escuridão; Daqui a pouco o sono vem, quando menos eu precisar dele, ou seja, quando eu não puder dormir.
Eu não aguento mais, preciso dormir. Não consigo, não consigo - não tem como. Não durmo de jeito nenhum, não existe droga que me bote a sonhar, nem uma sequer. O sono está aqui, a meu lado, rindo de mim; não consigo dormir. O que é que há? Já não basta tudo por que passei por sua causa, ainda quer me roubar a sanidade? Me deixa dormir, deixa. Cochilar um pouco basta e não peço mais. Eu quero algum remédio que me apague por alguns instantes, quero alguma receita que me faça escapar disso tudo - quero fugir daqui, e agora quero ir sozinho. Eu quero dormir, mas você não deixa, não é? Isso tudo lhe dá prazer, um prazer que você nem sente, mas está ali bem guardado para quando você lembrar; saber que meu mundo gira e vejo estrelas, não é? Nem que seja apenas por causa dos remédios! É o seu prazer que você não sente, só quando precisa muito de algum alento, quando não existe mais nada, então você pensa um pouco em mim. Que pena que não lembra que eu não tenho mais nada além de pensar em você, que não durmo por sua causa; que pena que você lembra que eu existo apenas quando não tem nada melhor para fazer. Eu não existo só quando você precisa - eu sou em todos os momentos, piores que sejam - estou aqui mesmo quando você me esquece para ser feliz em outro lugar; mas eu não tenho outro lugar para ser feliz, como você, eu não tenho para onde ir, preciso de você agora e não aos poucos. Importa? Não, não importa. Quem não dorme sou eu; quem quer se jogar pela janela de angústia, apenas por pensar que hoje será um longo dia de merda, tentando me manter acordado até a hora de não conseguir dormir novamente, esse sou eu. Sou eu quem procura toda espécie de sono artificial; calma artificial; alegria artificial; sorriso artificial. Sou eu. Agora não aguento mais, preciso dormir: tirar um cochilo daqueles e nunca mais sonhar. Dormir com gosto e acordar com a marca do travesseiro no rosto todo. Babar. Roncar. Eu quero cair da maldita cama. Vá embora e me deixa dormir um pouco.

Por quê continuar escrevendo sobre as mesmas coisas quando elas não deveriam me preocupar mais? Porque ainda me atormentam. E porque em cada linha que escrevo fica um pouco mais de você, e logo posso dizer que apaguei todo parágrafo que restava em minha cabeça que não me deixava dormir, poderei escolher quando e como lembrar de você. Então lerei esses textos, que vai ser tudo o que terei ainda de você - e lerei quando me apetecer apenas. Diabos, vou esquecer tudo isso e você será uma lembrança borrada deixada em algum lugar. Estou contando as palavras que restam de nós e elas estão acabando, tenho-as na ponta dos dedos e agora não conto usando também os seus. Eu vejo o fim e ele não é nada grandioso, por melhor escrita que seja uma história, elas sempre terminam da mesma maneira: com um "fim" tacanho e acanhado desenhado da forma mais banal possível. Eu vou esquecer seu corpo infernal. Eu vou encher meu copo com algum líquido que me dê vida - e vai ser um porre enorme.

Os pássaros são sempre os primeiros a acordar, pouco antes do amanhecer. Escutei o primeiro deles gritando ao longe, o dia vai começar novamente e eu não dormi mais uma vez.

"Fim"