domingo, 26 de dezembro de 2010

Canto de amor

Um dia, enciumado, o tempo a aura gelada
Soprando, vai fanar-te os tons qual flor passada
Nos leitos de verdura;
Com a mão vai murchar nos teus lábios faceiros
Aquilo que me falta, os teus beijos ligeiros,
Na sua estação pura.

Um dia os olhos teus, velados pelo pranto,
Do tempo que passou, roubando os teus encantos,
Hão-de o rigor chorar;
E quando na lembrança e na vaga da margem,
Procurares em vão a tua linda imagem,
Hás-de ao meu peito olhar.

Lá, teu primor floresce indefinidamente;
Lá, a lembrança de ti vigia eternamente
Junto à minha franqueza.
Como a dourada luz, de trêmulo clarão,
Que a virgem santa só protege com a mão,
Cruzando a fortaleza.

Quando a morte vier, por outro amor seguida,
E, aos risos, apagar, da nossa dupla vida
Ambos os fogaréus,
Que ela disponha os dois estrados lado a lado
E que os dedos das mãos sigam enlaçados
Dentro dos mausoléus!

Ou na Terra talvez possamos nós passar,
Qual no outono se vê um solitário par
De cisnes companheiros
Que, ao partir, dois a dois, do ninho da paixão,
Rumo a um clima bom, em cuja busca vão,
Voam num doce enleio!



Alphonse de Lamartine