quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Nem no amor nem na morte pode-se penetrar duas vezes - menos ainda que no rio de Heráclito. Eles são, na verdade, suas próprias cabeças e seus próprios rabos, dispensando e descartando todos os outros.

Zygmunt Bauman

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Cada vez que se encontravam era como se fosse para sempre. Brilhava em seus olhos o desejo e a vontade. Eram o sonho um do outro, a grandeza do sentimento todo contido em apenas uma pessoa: pequenina. Do tamanho de seu abraço. Eram o gosto da felicidade, o sopro de alegria. O riso incontido. Desafiaram a improbabilidade do amor e fizeram emocionar ao mais cético dos chatos. Iluminados pelas estrelas dançaram uma valsa envolta pela noite melancólica dos outros. Foram a inveja do mundo, quando conseguiram chegar ao céu, abraçados, apaixonados. Deitaram nas nuvens e viram a face de deus, enquanto chovia lá embaixo. Foram tudo que as pessoas comuns apenas sonharam. Realizaram seus sonhos no espaço curto de um beijo. E cada novo beijo era um novo sonho que surgia e enchia o mundo de alegria e cores vivas. Cada beijo era um novo gosto: brigadeiro, chocolate, morangos, chantilly. Cada aconchego um novo calor, um novo abraço, um novo toque na pele. Cada vez que se encontravam eram completos, eram puro amor. Cada segundo de suas vidas valia a pena por aquele momento. Todas as dores de se viver, toda melancolia e tristeza era um pequeno detalhe insignificante, quando se encontravam. Quando se encontravam, eram eternos, para sempre, improváveis seres perfeitos. Quando encontraram o lugar ao qual pertencem. Encontraram-se.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Foi!
O amor se foi perdido
Foi tão distraído
Que nem me avisou
Nem me avisou!
Foi!
O amor se foi calado
Tão desesperado
Que me machucou...

Lenine

Havia algo estranho no ar daquela noite. Acredito que ninguém saberia dizer exatamente o que, mas, a desforra estava preparada há muito tempo. Não se sabia, mas alguns puderam sentir – como uma brisa que corresse pelo vão da porta, ou uma rajada aterradora passeando pelas ruas desertas. Eu? Eu senti. Estava sentado imóvel havia algum tempo no parapeito de minha janela, pensando no que havia para pensar. Olhava para a rua lá em baixo, em tons cinzentos de cidade grande, quando um arrepio, um leve sopro de verdade me inspirou medo.

Tive medo do que haveria de acontecer a tudo e a todos.

A vida é como subir num palco pela primeira e derradeira vez, sem direito a ensaio. Quantos erros poderiam ser evitados se houvesse uma prévia conversa a respeito. Mas é aqui e agora. Pela primeira e ultima vez, sem emendas. Existe uma coisa que faz parte disso tudo que é a forma pura da crueldade divina: o amor. Que não se repete jamais, nunca ninguém o conheceu duas vezes com distintas pessoas. A vida em si é algo ligeiro e ineficaz, agora o amor é insignificante. Por mais que alguém lute por tê-lo em plenitude, nunca basta! Droga viciante. Sempre se quer mais e mais e mais. Mas, acaba. O amor é uma ironia. Todos devem rir de uma pessoa que ama, agora e para sempre – inclusive Deus.

A alma de quem ama se dilacera. Ela acredita que nunca foi completa e espera ser recomposta pelas mãos do ser amado. Espera ser esculpida numa forma perfeita, pelas mãos da única pessoa capaz de encontrar seu verdadeiro sorriso por debaixo de tantas tintas borradas. A alma de quem ama não existe, ela espera ser completa em conjunto: ela espera a outra alma capaz de lhe fazer plena.

O amor é improvável.

Naquela noite, uma pobre alma apaixonada encontrou a limitação de seu amor. Coisa que nunca haviam dito a ela que existia. Até então tudo era fraco demais perante a força de vontade da paixão. Mas o amor encontrou seu maior adversário, não ser amado em retorno. Parece tão bobo de sua parte, amar tanto para não ser amado no final. O destino é sarcástico demais com seu sorriso gasto. Quando procurou nos olhos do ser amado por alguma coisa que não palavras vazias e promessas desfeitas, não encontrou nada além. Aqueles olhos continham em si sua própria mentira. Não havia olhos ali, não havia nada.

Fechou seus próprios olhos e encarou o amor que sonhava, em sua imaginação. Sem encontrá-lo onde esperava, ou seja, naquele ser em sua frente. O amor todo estava contido apenas em si, era uma mentira bem contada – havia se convencido daquilo sem nunca ter visto, apenas sonhado. Agora que procurava a mão companheira para enfrentar a vida juntos, não encontrava dedos nem pele, a idéia de amor sucumbira a realidade e o que restava era fumaça onírica de alguém moldado pela loucura.

Pediu, pediu... Gritou porque queria acreditar. Nada veio, nada ficou. Ela se foi, carregando suas lembranças, seus beijos. Ele se foi, carregando seus sonhos debaixo do braço. Caminhando a esmo pela dura realidade, agora inquestionável. Deitados a noite em seus travesseiros, não se conhecem, não se encontram. Não são. Inexistem. Não sonham um com o outro ou se desejam. Eles deixaram para trás a parte mais bela de suas vidas. Esqueceram como é que se faz para amar.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

"O principal herói deste livro é o relacionamento humano. Seus personagens centrais são homens e mulheres, nossos contemporâneos, desesperados por terem sido abandonados aos seus próprios sentidos e sentimentos facilmente descartáveis, ansiando pela segurança do convívio e pela mão amiga com que possam contar num momento de aflição, desesperados por “relacionar-se” e, no entanto desconfiados da condição de “estar ligado” em particular de estar ligado “permanentemente” para não dizer eternamente, pois temem que tal condição possa trazer encargos e tensões que eles não se consideram aptos nem dispostos a suportar, e que podem limitar severamente a liberdade de que necessitam para — sim, seu palpite está certo — relacionar-se..."


Zygmunt Bauman