domingo, 25 de julho de 2010

Eu gostaria de escrever alguma coisa. Mas, nem em meus pensamentos consigo esboçar qualquer coisa. Uma bagunça mental quase tão grande quanto a do meu quarto. As coisas estão em seus lugares? Por que esse tem que ser o lugar certo? Prefiro colocar ali. Já não sei. Mas, ninguém sabe muita coisa com certeza. Além disso, confiança demasiada em si expressa uma certa incapacidade imaginativa, uma pessoa com segurança demais no que diz é um pouco chata, às vezes, não acha? Eu acho. A contradição torna as coisas mais gostosas de viver, mais reais também. Errar é necessário, tropeçar, cair. Acho que a questão é não deixar de sonhar um acerto. Acertar o pulo. Fazer a coisa certa da melhor maneira possível. Isso nem sempre é fácil, pode demorar e nesse tempo a esperança vai se consumindo de dentro para fora. É preciso bastante força e vontade para esperar, lutar, encarar, escorregar e subir tudo novamente, até os dedos sangrarem, chegar lá em cima cansado - mas estar onde você quer - olhar para o horizonte. Sorrir então. Chorar então. Ser feliz então, mas ter a simplicidade de saber que mesmo no lugar certo, às vezes o dia acorda nublado. Mesmo a pessoa certa, às vezes precisa ficar um pouco sozinha, sem você, ninguém pode ser tudo que outro alguém vai precisar. Às vezes é preciso chegar onde você quer chegar e não ter medo de cair lá de cima novamente, é preciso aproveitar a vista, por quanto tempo quer que dure. Aquela hora, o mais próximo de tocar as nuvens que você jamais chegou. Você diria que pode até voar. Você é Deus. Você é tudo. Às vezes, até mesmo Deus erra. E "tudo" é relativo, um ponto de vista - o seu ponto de vista lá de cima.

Estou perdendo minha sanidade da forma como a conheci. As coisas estão mudando. Por alguém, por alguém. Onde está ela agora? Ainda sinto seu corpo, seu cheiro em minha cama. Espero que volte antes que meus lençóis percam a forma de seu corpo. Antes que seus desenhos se apaguem em minha cabeça. Espero que ela volte algum dia, novamente. Para que? Pergunte-se você por que quer qualquer coisa com força. Porque o mundo é diferente quando estamos juntos. Porque a realidade deixou de existir quando você sorriu, apaixonada, e agora podemos pintar quadros como quisermos e viver neles o resto de nossas vidas. Tenho as tintas e o pincel, traga a tela e vamos criar um céu estrelado mais bonito do que Van Gogh. Vamos sair por aí, vamos embora, vamos passear, vamos ao bar, vamos comer pizza, vamos andar sobre os trilhos do trem, vamos comer porcaria, vamos, vamos, vamos, vamos.

sábado, 24 de julho de 2010

Sardas e pintinhas em seu rosto. Marcas de travesseiro por ter dormido muito. Pre-gui-ça. Não preciso olhar para você, ficar encarando seu corpo, para saber quem você é. Quando fecho os olhos posso entender tudo que você tem para dizer, num sorriso durante o sono, numa respiração acelerada, acolorada. Posso sentir seu coração batendo, sem precisar abrir meus olhos. Posso sentir o meu coração batendo e nem sei qual dos dois estou ouvindo agora - uma batida, um ritmo confuso, de estar batendo-batendo, juntos. Bom dia. Posso sentir seu cheiro. Posso sentir seu cheiro em mim. Estou onde gostaria de estar. Sinto o vento bagunçando meu cabelo. Sinto areia debaixo de meus pés. Sinto sua mão segurando a minha. Seu beijo. Posso sentir sua boca sem tocá-la. (Mas prefiro, sinceramente, tocar você - pegar você de jeito e ser agarrado, amassado... amado). Sardas e pintinhas, as linhas de seu rosto. Linda. Dia nublado, preguiçoso, teve preguiça de começar e quando vemos já acabou. Minhas mãos deslizam por seu corpo procurando alguma imperfeição a qual me faça dizer: por isso não gosto de você. Não encontro nada, nada fora do lugar, nada que não me agrade. O dia continua. A vida continua. Minha vida? Sua vida? Vidas alheias. Pessoas que caminham na calçada, sozinhas. Pés descalços no gramado. Os carros nas ruas com suas almas humanas lá dentro, que pensam estar guiando alguma coisa para algum lugar. Os ruídos da madrugada. Eu durmo sem insonia, durmo sorrindo e acordo com você. Eu estou com você pelo momento breve dessa conversa. E então, a vida como ela é volta a ser. Bom dia.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Estou de joelhos novamente. Mas, não oro - não acredito em Deus. Prestes a dizer tudo o que sinto, sem medo. O medo só vem depois que começo a falar, quando percebo a maneira como você me olha. Sem entender, porque você não sabe como é: se ajoelhar. Pedir com força alguma coisa, desejar aquilo com as mãos apertadas até os nós dos dedos ficarem brancos. Você não sente isso, da maneira como eu sinto. A culpa não é de ninguém, apenas não amamos da mesma maneira. O que não é um problema, os amores são plurais, mas devem se encaixar. Se completar. Nesse caso, eu amo demais, um uso exagerado da palavra - mas, sem mentir nada. E você ama quando quer, quando te apetece. Não consigo me acostumar a isso. A ser menos do que tudo para você. Porque, veja bem, você é tudo para mim: meus sonhos, meus medos, minhas saudades, meus amigos, meus inimigos. Eu sou o que para você? Mais alguém. Um alguém diferente dos outros, mais íntimos, mas é só. Eu não aprendi a conviver com isso. Não aprendi a ser um pedacinho apenas de você. Devo dizer, acreditava poder chacoalhar seu mundo, mudar as coisas como elas parecem ser. Fazer tudo diferente. Acabar com aquilo que te incomoda. Mas, não deu muito certo. Agora é saudade. E ver desaparecendo lentamente aquilo que fomos um dia. Um bichinho engraçado, com quatro braços, quatro pernas, duas cabeças, dois sexos, éramos os dois um único ser. Quando prometi que nos protegeríamos do mundo, juntos, e brinquei de juntar nossos nomes numa nomenclatura nova - metade eu, metade você. Acho que você levou por engano um pedaço de mim quando foi embora, agora não sou completo porque estou sem você e não me completo sem aquilo que ficou contigo de mim mesmo. Você deve ter perdido a parte minha que deixei contigo.

domingo, 18 de julho de 2010

Mágicas de trapézio

Estavam sentados um de frente para o outro, mas, mesmo nessa posição, às vezes, as pessoas não se enxergam. Eles se entreolharam e poderia dizer que todos sabiam que algo sairia daquele olhar. O garoto deu um sorriso comprometedor que dizia “eu vou aprontar” e, a garota, com um olhar pernicioso entrevia “ele vai aprontar”. Ela mordeu o lábio inferior com seu dente canino superior, o que lhe dava um ar ainda mais maroto, enquanto esperava até ele fazer alguma coisa. O garoto se remexeu todo no banco em que estavam sentados – um banco azul, pintado da cor do céu, ou da cor que mais chegou perto de se parecer com um céu. Ele não demorou muito para mostrar suas presas. Fez um movimento ligeiro com as mãos e disse:

- Quer ver uma mágica que venho treinando para te mostrar?

A garota, acostumada com essas idéias repentinas e absurdas de seu garoto, respondeu:

- Para mim, não é? Sei!

Ele fingiu ignorar o tom irônico, reação que a deixaria ainda mais brava. E, num passe de mágica, passou a mão por aqui e por ali e de repente tirou de trás da orelha da garota... nada! Uma coisa notável, sua mão voltava repleta de nada. Ninguém sabia de onde ele tinha tirado aquilo, de trás da orelha da garota que não era! Mas, ali estava, uma mão cheinha de nada. Ele disse, para a garota boquiaberta:

- Aqui, todo o amor que eu posso oferecer para alguém. Estava guardado atrás de sua orelha todo esse tempo.

E assim, num outro passe de mágica, igualmente ligeiro, aquele nada todo virou em um tudo enorme. Era amor à primeira mágica. Diga-se, não vi ele fazer esse truque para mais ninguém, além dela. Ele não era um Don Juan das cartolas com coelhinhos.

Então, ambos se levantaram do banco azul da cor do céu. Se olharam outra vez, procurando um pedacinho de mentira naquele momento eterno e, como não encontraram nada de errado ali, ficaram assustados. Se beijaram de todas as formas possíveis num único beijo ligado a outro e a outro e foram embora. Ele tinha um espetáculo de mágicas no circo para dali a meia hora, ela tinha uma vida de verdade para a qual voltar. Nunca mais se viram e o garoto se tornou um atirador de facas amargurado e distraído – combinação bastante perigosa essa.

Um barquinho de papel numa poça...

Um barquinho de papel numa poça...

Todos a bordo, vamos zarpar! Soltem as amarras, soltem tudo que lhes prenda ao chão, vamos navegar. Balancem seus lenços multicoloridos na balaustrada, e gritem seus adeus emocionados: au revoir. Esse é o maior barco que jamais existiu. Esse barco jamais existiu. E eu sou seu capitão-imaginário.


Um barquinho de papel numa poça...

Corram soltar aquelas cordas, esse é dos grandes! Se não deixarmos que ele volte para o oceano, nos afunda o barco todo, marujos! Não cobicem o que não podem ter, não mesmo. Se querem pescar, vocês tem que saber quando é pequeno demais e quando é grande demais para levar para o mercado. Alguém lembra o conto o velho e o mar do Hemingway? É uma história muito interessante para o momento... Certo, certo, sem divagar, sem divagar, temos primeiro que nos desvencilhar desse peixe fisgado que nosso barco não suporta. Cortem essas cordas! Deixem-no ir... Ou morreremos tentando!


Um barquinho de papel numa poça...

Um estranho som. Parecia vir de dentro da própria cabeça de quem ouvia, parecia vir de todo lugar. Ninguém sabia dizer o que era, mas todos ouviram. Alguns fizeram o sinal da cruz, outros cuspiram no chão. Teve alguém que gritou um palavrão e depois falou o nome de seu santo, não sei se xingando o santo, amaldiçoando sua própria sorte ou tentando fazer-se escutar com mais eficácia por seu padroeiro. Surgiu algo como uma tempestade, o oceano estava revolto e tiveram que lutar muito por manter o barco e seus pescoços fora da água. Todos tinham experiência com tempestades e todo tipo de agrura, mas nunca nada como isso. A tormenta parecia vir de baixo, do fundo do mar. Junto com o som indefinível. Por um instante ficou tudo calmo. Não havia mais ruído, nem tormenta. O Capitão abriu a boca com o grito...

- Vamos sair logo daqui, seus...

Mas ninguém ouviu o resto da frase. Uma coisa, que ninguém soube dizer o que era, levantou-se de algum lugar amaldiçoado daquelas águas com um ganido ensurdecedor que não parecia dor ou qualquer coisa e, definitivamente, não era um desejo de boas-vindas. O Monstro gigantesco jogou o barco longe com o movimento de levantar-se, os marinheiros gritavam, choravam, morriam aos baldes. O monstro matou mais tripulantes de susto do que o próprio oceano, pegou o barco com tentáculos que saiam de seu rosto e jogou-o fora. Olhando daqui, poderia ser dito que ele queria brincar de assustar aqueles homens – e funcionou, morreram de susto, inclusive. Também, aquele monstro era incomensuravelmente... feio!


Um barquinho de papel numa poça...

“Essa é minha última mensagem para o mundo e espero que alguém leia, algum dia, pois fui escritor, mas não escrevi. Essa era para ser minha viagem em reconhecimento do mundo, onde veria coisas maravilhosas e escreveria sobre elas como ninguém. Tivemos problemas, passando pelo cabo da boa esperança, enfrentamos uma tormenta dos diabos. O barco sucumbiu e com ele boa parte da tripulação. Restamos apenas o capitão, sua esposa e a mim – acho que havia lido em algum lugar que mulheres a bordo dão má sorte... Péssimo modo de começar a acreditar em superstição marítima. O capitão estava ferido, escorregou no convés durante um passeio matinal e fez um corte imenso na perna direita, jeito engraçado de se machucar, com ondas que tinham duas vezes o tamanho do mastro durante o auge da luta entre homens e mar, ele foi logo escorregar e cair, num dia ensolarado e fagueiro. Por sorte restou intacta sua perna de madeira. O corte infeccionou e, depois de alguns dias a deriva, fiquei acompanhado apenas da Judy, digo, Srª Judy. A comida era escassa, tínhamos apenas um kit de sobrevivência que o capitão gostava de manter por perto e parecia agora viria a calhar, mas, a infelicidade rondava aquela nau porque alguém mexeu nas coisas do capitão e comeu todo seu estoque de bolachas salgadas e iogurtes que haviam na bolsa. Não que eu ache que se ainda estivessem lá, ajudariam muito, nesse caso. Sem orgulho de dizer isso, tivemos que comer partes do corpo do capitão. E tentamos sem sucesso usar sua perna de madeira como remo, foi uma bela tentativa - falha. A Srª Judy enlouqueceu por conta de tanto sol e, para bem do resto da tripulação que ainda mantinha sua sanidade eu, pessoalmente, usei a perna de madeira do capitão para tentar assustá-la e com isso trazer de volta a sua razão, o que não deu muito certo, pois ela se assustou demais e morreu. Fiquei sozinho. Não como há vários dias, não sei ao certo quantos, perdi as contas de qualquer coisa. O Sol é quente demais por aqui e a água salgada me deixaria louco. Não sei quanto tempo o corpo humano aguenta nessas condições, acho que li um conto parecido, mas não recordo bem... Então, vou esperar para ver o que acontece e enquanto isso escrevo esta carta, tomo minha última garrafa de coca-cola, onde colocarei estas últimas palavras e aguardarei nelas ser encontrado, na forma de uma memória escrita e assinada por mim, caso não seja salvo a tempo...”

Ass. Sir Afogado Anônimo.


Um barquinho de papel numa poça...

- Alguém solte essa vela! Com esse vento teremos o barco partido ao meio! Vão, corram fazer o que mando! Já vi centenas de tormentas piores do que essa e perdi minha perna esquerda numa delas. Acham que isso me bota medo? Pois, Deus ou o Diabo terão de fazer muito mais para assustar essa carranca!

A tempestade não cessava, apenas se fazia piorar mais e mais. Os marujos por mais experimentados que fossem tiveram medo. Um a um caíram ao mar. O capitão não podia fazer muito, machucara sua perna direita há poucos dias e sua perna esquerda era há muitos anos de madeira – polida atentamente uma vez ao dia. Ouvia-se um toc toc assustado e veemente por todo o convés mas, apesar de ser lobo do mar, dessa vez o capitão não conseguiu salvar seu barco nem sua tripulação. A última coisa que viu antes de desmaiar foi um pedaço do mastro vindo em sua direção e só acordou quando já havia sol, no que restara do barco, com sua esposa e um tripulante que não lembrava o nome. Um escritor fracassado que tentaria a vida em alguma outra terra, ou que quisesse experimentar o mundo para poder escrever alguma coisa decente. Não conhecia nenhuma obra do garoto mas, esperava que tivesse escrito algo notável e deixado em algum lugar seco.

Um barquinho de papel numa poça...

Era um barco que botava medo mesmo de longe, mesmo quando ainda estava rondando o horizonte à procura de um porto, mesmo de perto, quando suas cicatrizes de guerra apareciam ainda mais claramente. Havia muitas lendas a seu respeito: era um barco fantasma, era um barco pirata, era um barco de piratas fantasmas, era um barco que cobrava impostos para a coroa. Ninguém sabia ao certo o que saía daquele convés, não sabiam sequer se era humano. Até que um dia, alguém sobreviveu ao ataque do barco misterioso.

Era um dia de mar calmo, agradável, alguns homens dormiam espalhados pelo convés. Alguém coçava sua perna de madeira. Até que ouviram um tiro de canhão, e os gritos de uma galera que se aproximava. A selvageria dos sons e palavrões que vinham daquele barco botaria medo até no cara mais durão. Tentaram fugir, mas a nau que vinha ameaçadora era mais leve, mais rápida. Aos poucos o mistério ia se dissipando e a tripulação fantasma se fazia cada vez mais humana: eram piratas. Famintos. Cheios de cobiça e pecados no baú.

Meteram duas balas de canhão antes de dizerem palavra. Chegaram com calma e tomaram o barco. Pediram tudo que tivesse de valor e isso incluia qualquer biscoito com camada dupla de chocolate e que não tentassem esconder porque o capitão tinha bom olfato! O Capitão era o próprio Barba-Grande! Uma lenda dos mares, um medo constante entre os tripulantes, uma inveja. Barba-Grande gritou, grunhiu e esboçou algum sorriso apenas quando encontraram o baú com biscoitos de chocolate e balas. Mandou que colocassem em seu barco e, nesse momento, viu-se a imagem aterradora que deixa marcas em todos que vêem aquela nau: a bandeira, negra, com uma caveira de ursinho de pelúcia ameaçadora que lhe observa e espadas enormes que formam um X.

O Barba-Grande se despediu, ao som de seu assobio desafinado, eu acho que era alguma das músicas do Beethoven. E o barco desaparecia devagar, no horizonte. Todos ficaram felizes por não terem morrido, por não terem sido jogados ao mar ou qualquer coisa pior. Mas, naquela tarde, o lanche não teve biscoito nenhum. E o sabor agridoce da perda do chocolate aumentava a raiva e o ódio. Aqueles homens eram a pura vingança!


Um barquinho de papel numa poça...

Estavam os dois sentados num pequeno barco a remos, onde mal cabiam eles e seus equipamentos de pesca. Mas, já contavam vários anos dessa prática sazonal de pescarem juntos nas férias. Juntando a calvície de um e os cabelos brancos do outro, somavam mais de um século de vida. Nem lembravam mais quando algum deles tivera a idéia de pescar, mas era uma ótima pedida, agora que o futebol ficava cada vez mais difícil de ser jogado até o final da partida.

Estavam os dois sentados, no meio de um lago, boiando pacientemente em seu barquinho de madeira com um furo ou outro que não era comprometedor. Tinham coletes salva-vidas e bonés para se protegerem do sol. Um isopor que suas esposas encheram de sanduíches e refrigerantes, mas que esvaziaram daquelas coisas supérfluas e colocaram cervejas até não caber mais. A idade veio, mas, um deles sem medo do câncer ou o que quer que seja, acendeu um cigarro no barquinho. Gostava de pensar que poderia ser o último, que poderia ser especial, que poderia significar absolutamente nada, ou poderia pegar um peixe de repente e ter que jogar seu cigarro longe, antes de terminar – tantas coisas que poderia ficar horas apenas brincando de imaginar.

- Esse lago não tem mais peixes e eu já lhe falei isso.

- Não seja ridículo, como poderia não ter um único peixe nessa água toda?

- Se eu chegar sem peixe em casa, a Gerta vai desconfiar.

- Desconfiar de que? Nessa idade? Ela acharia é muito engraçado você estar dizendo isso.

- Quer um cigarro?

- Mudamos de assunto, é? Quero.

- Voltou a fumar?

- Não, oficialmente.

- Acho que vi um peixe passando ali!

- Está vendo coisas, velho burro.

- Tem cervejas ainda?

- Para o resto da vida, eu diria.


Um barquinho de papel numa poça...

Um garotinho pega uma folha de papel, branca, que encontra no parquinho e corre até seu pai. Mostra o achado com um sorriso inquiridor, que não precisa de palavra.

- O que vai ser dessa vez?

- Um barco!

O pai dobra vagarosamente o papel, ensinando passo-a-passo seu pequeno como fazer, até a forma de um barco aparecer. O garoto já tentara por si só fazer suas construções em papel, mas seus barcos ainda não eram tão impermeáveis e seus aviões precisavam de mais penas. Seu pai que não viu no papel nada além de papel por muito tempo depois de sua infância, gostava de encontrar nos olhos do filho o brilho que tiveram seus próprios em outros tempos. Já fizera muitos Titanics e S. S. Qualquer Coisa, já colocara muitos cubos de gelo em locais estratégicos da banheira para os barcos afundarem, como pedia o filho em suas aventuras durante o banho. Já fizera até mesmo uma guerra aérea inteira, com sonoplastia e tudo. Não se pode dizer facilmente quem se divertia mais.

Hoje seria um barco. Mas, que barco seria esse?

O garoto pegou da mão do pai, quase sem terminar, seu novo brinquedo e saiu correndo. Chovera a noite anterior e havia uma poça ali perto. E lá vai um barquinho de papel a navegar – navegando a remos, a vapor, navegando a nado. Um barquinho de papel em um poça pode ser qualquer embarcação que você queira imaginar. Naquele dia, as aventuras marítimas foram as mais bravias e mais calorosas. Nunca os romances foram tão ardentes. Nunca as terras desconhecidas estiveram tão perto, nem os povos canibais amedrontaram mais. O mundo estava ao alcance de pequenos dedos, muito mais responsáveis do que os meus que escrevo hoje, para controlar tudo. Nunca houve pores-do-sol mais poéticos do que naquela tarde. Nunca, até o dia seguinte.


Um barquinho de papel numa poça...

sábado, 17 de julho de 2010

Estou com frio.
Mas, está bem pior lá fora.
Meus pés estão gelados.
Mas, ao menos eu tenho pés, não é?
Pareço uma centopéia com incontáveis pés gelados.

O que quero dizer esta noite? Pensando bem, não sei. Tive um número infinito de palavras entaladas em minha garganta, vontade de gritar não faltava e o discurso estava todo pronto, com slides e desenhos e tudo o mais. Mas, não falei coisa alguma, outra vez engoli sôfrego meu amor contido e mandei que se calasse, para ouvir meus pensamentos, capazes de domesticar o que sinto. Ainda tenho muito o que dizer, mas, consegui deixar essas coisas guardadas em minha caixinha de música com uma bailarina, cheia de poeira, debaixo da cama ainda mais uma vez.

O que quero dizer esta noite? Quero jogar conversa fora, ficar sem fazer nada que se possa chamar produtivo. Jogar conversa fora. Falar bobeira de boca cheia e rir debaixo das cobertas, escondidos do frio. Escondidos do mundo lá fora. Protegidos por uma dupla camada inexpugnável de cobertores feitos com fios de um material indestrutível-top-secret-que-eu-nem-sei-como-chama. Aqui debaixo não faz parte do mundo, isso aqui não é planeta terra, nem cidade alguma. Aqui é nossa ilha imaginária, um cenário criado artesanalmente por nossas loucuras desvairadas. Lembro bem de nossas aventuras nessas terras de ninguém além de nós. Não consigo chegar lá sozinho, então vivo de lembranças e saudades. Não consigo chegar porque se eu tenho o mapa, você tem a bússola, se eu tenho o navio, você tem a capacidade de me dar vontade e coragem para desbravar tantos mares quanto você puder imaginar.

Sinta o vento e as minúsculas gotas de oceano baterem em seu cabelo enquanto o sol deixa suas bochechas um pouco vermelhas, e veja a si mesma em algum espelho, porque você não pode perder esse momento. Porque você está linda e eu não quero perder esse momento. Apenas eu consigo enxergar essas coisas, nem você se encontraria a si mesma de tal forma perante seu reflexo - eu te enxergo! Eu enxergo você, no convés, dançando ao som das gaivotas que cantam estarmos próximos da terra. Meus olhos contemplam boquiabertos e minha boca entreaberta sussurra para mim: cale-se. Agora, eu posso sentir toda a vida ao meu redor: eu sinto minúsculas partículas se chocando na ponta de meus dedos, por conta do deslocamento leve do ar, eu sinto as madeiras que formam esse barco, cortadas nos bosques de nossa imaginação, sob meus pés e rangendo, bailando de acordo com o oceano, seu par que dita o próximo passo; eu sinto o sol me deixando cada vez mais moreno aqui em cima (aqui em cima do mundo); eu sinto a noite que está longe de começar; sinto você dançando em mim; eu sinto nosso mundo criado, contido nesse momento sublime, ouço alguém gritar "tira uma foto para não esquecer nunca disso" e respondo "eu não vou esquecer nunca". Eu sinto o presente, o passado e o futuro. Somos atemporais. Somos nós mesmos nesse momento, somos o infinito vezes dois - pulsando.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Eu quero apertar sua mão e sair correndo por aí - sorrisos e caretas pela manhã. Fazer loucuras antes de começar o dia, andar de bicicleta em zigue-zague desviando estrelas, chocar-se com uma lua de qualquer planeta num ataque súbito de barbeiragem-e-foi-culpa-sua, e rir por conta disso (rir até que os três sóis desse planeta se ponham no horizonte de cores engraçadas). Chegar ao fim do universo infinito duas vezes antes que as luzes se apaguem e seja hora de dormir. Fazer piquenique nos anéis de saturno; brincar de esconder num buraco negro; cantar "I'm singing in the rain..." debaixo de uma chuva de asteróides! Sair correndo sem destino, por terra, céu e mar, sem ninguém que nos diga o que é possível e o que está apenas em nossa imaginação fértil de apaixonados ou loucos, que quer que seja (Mas é alguma coisa e das grandes!). Sem destino, ruas de terra batida, ruas de todo jeito. Andar para frente e para trás, andar em círculos - correr atrás de meu próprio rabo e não sair do lugar, mas segurar sua mão, onde quer que eu esteja. Mesmo que eu sinta medo, e minha mão comece a suar, espero sentir seu pulso entre meus dedos; mesmo que você tenha frio, e seus dedos estejam gelados, espero esquentar sua mão e tudo o mais (se é que você me entende, não é?). Sair correndo improvisando nossa felicidade, sem planos que possam ser frustrados e perceber, no final de tudo, que nosso improviso foi felicidade pura. Sem ensaio algum, saiu tudo como deveria ser: maravilhoso. Fecham-se as cortinas. The End.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Gostaria de gritar seu nome e dizer que te amo; gostaria de ouvir você cantar uma canção para mim; gostaria de ouvir seu orgasmo pendurado na ponta da minha orelha; gostaria de sentir seu cheiro deslizando por meu corpo; gostaria de ouvir seu coração batendo cada vez mais forte, gritando para nós dois: pára com esse barulho aí fora que eu quero dormir, porra!

Gostaria de apertar sua mão quando houvesse medo; gostaria de apertar seus dedos até escorrer a tinta de suas unhas e não restar maquiagem alguma para disfarçar quem somos; gostaria de morder seu pescoço até vê-lo todo roxo; gostaria de colorir o céu com nossas cores que não combinam; gostaria de dividir meu crepúsculo negro e minha vida monocromática; gostaria de sair contigo na rua apesar de sua incapacidade de combinar suas roupas, na verdade, justamente por isso, por você não saber combinar, por você ser quem você é;

Eu gostaria de dizer cada bicho estranho que enxergo nas nuvens passageiras! Gostaria de fazer loucuras a seu lado; gostaria de entrar em qualquer ônibus, sem saber sequer seu destino e fazer um piquenique no fim do mundo; gostaria de não ter limites; gostaria de ser passageiro do infinito; gostaria de ser tudo.

Gostaria de ouvir sua barriga roncar e ir comer porcaria; gostaria de ter um filho contigo, com cara de joelho e engolir seco quando disserem: é a cara do pai! (como assim? com essa cara de joelho?); gostaria de ter um cachorro e um peixinho dourado, talvez um gato mimoso que é mais a sua cara; gostaria de fazer um caminho de perfume até nossa cama e ali depositar pétalas de rosa e com elas formar a palavra "rock", ao invés de qualquer clichê; gostaria de encher o dicionário de clichês com verbetes novos, criados por nós - nossos clichês pioneiros; gostaria de sentar na praça para fumar um cigarro e conversar sobre como foi o dia até encontrar você; gostaria de preparar brigadeiro e com ele pintar sua cara; gostaria de ler um texto de madrugada, dos meus favoritos, para você saber com quem está se metendo; gostaria de ler um texto de madrugada, para fazer você rir; gostaria de ler um texto de madrugada, para fazer você chorar; gostaria de fazer você sentir.

Gostaria de dormir e sonhar contigo, acordar e estar do seu lado, com o rosto marcado pelo travesseiro, com baba para todo lado e, sem vergonha na cara, beijar um bom dia na sua bochecha; gostaria de desejar um "bom dia com alegria" na manhã de amanhã; gostaria de desejar "boa noite" depois de fazermos amor essa noite; gostaria de saber onde você está essa noite.

Gostaria de entregar meu coração de brigadeiro em uma panela para você; gostaria de te convidar para beber vinho tinto, sabe o que isso significa, não é? Gravata na porta e música alta no quarto. Não tenho gravatas, improvisamos. Gostaria de fazer muitas coisas contigo; gostaria de quebrar pratos na parede e gritar, fingindo uma briga; gostaria de fazer cócegas e te imobilizar no tapete; gostaria de lamber sua testa; gostaria de morder seu bumbum; Eu gostaria de fazer amor com você; gostaria de ficar imaginando fantasias sexuais com você e realizar todas elas antes de amanhecer, depois começar de novo e pensar em novas;

Eu gostaria...