sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo "esboço" não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.

Milan kundera, A Insustentável Leveza do Ser.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Eu tenho um segredo que, bem contado, leva ao desespero. Tenho ele bem guardado para o caso de precisar algum dia usar por aí, como desculpa, talvez. Tenho algum medo que se conto para você tenho certeza que vai rir. Medos bobos que levo nos bolsos cheios. Carrego nos olhos o brilho de quem espera e sonha, mas no peito a dor de quem se desespera e chora. Eu abraço o vazio e tenho o silêncio como alento. Desencanto. Eu canto, versos tristes e desapareço.

Eu tenho uma mentira que se conto estrago alguma alegria. Deixo escondida para não desfazer coisa nenhuma e me escondo. Enquanto espero você me olhar e chamar meu amor. Enquanto você não entende tudo o que tenho para te dar, todo o amor que é possível ter por alguém. Levo do mundo os amores e as dores para todo lugar, e de todos eu roubo alguma coisa que não é minha; mas deixo tudo que sou para sempre. Mas se desfazem rápido desse cadáver de peso frio nos ombros de quem leva a vida leve.

Eu sou o universo que apodrece a cada esquina; a vida que esmorece e nem é vivida. Eu sei todas as perguntas e respostas e me deixo calar para não assustar ninguém que me encontre pelo caminho. Eu sou o desperdício e a soberba; sou o lugar certo e a hora errada. A certeza mais do que incerta, sou mais do que tudo e todos. Sou todos os sonhos e pesadelos de uma noite qualquer. Mais do que aqui e agora. Todas as possibilidades na ponta de meus dedos. Tenho isso e aquilo e grita e pulsa dentro de mim.

Eu tenho a sorte e o destino; a alma e o nada. Eu tenho o amor e o ódio e nossas vidas felizes bem aqui. Eu sou tudo o que sou, enquanto ela não chegar: e quando ela chegar serei tudo o que quero ser. Eterno.
Para onde vai,
e com tanta pressa?
Será que tem lugar
p'ra mim dessa vez?

Acho que estou atrasado
ou talvez uma surpresa!
Não, estou fora do tempo
[mesmo]

Iria ao inferno contigo
duas vezes à merda
à noite de chuva e frio

Qualquer dos caminhos
mas tamanha pressa é para me deixar
e lá vai, embora, sem olhar para trás.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

As ruas são apenas pó e cinzas,
e apenas pó e cinzas é o que sou.
Sem um anteparo que me dê alento,
sou menos ainda a cada esquina.

Nada de novo traz minha vida,
nem inovo com meus poemas.
Tudo que sou já sentiram,
não me surpreendo comigo.

Minha vida é poesia
[triste]
em alento de poeta pessimista
[e fraca de rima]

O que me resta de sanidade,
[está terminando a cada linha]

It must have been love, but it’s over now...

Lay a whisper on my pillow,
Leave the winter on the ground!
I wake up lonely, there’s air of silence
In the bedroom and all around.

Touch me now, I close my eyes...
And dream away.

It must have been love, but it’s over now!
It must have been good, but I lost it somehow.
It must have been love but it’s over now!
From the moment we touched 'til the time had run out.

Make-believing we're together
That I'm sheltered by your heart!
But in and outside I've turned to water
Like a teardrop in your palm.

And it's a hard winter's day,
I dream away.

It must have been love but it's over now!
It was all that I wanted, now I'm living without
It must have been love but it's over now!
It's where the water flows,
It's where the wind blows.

It must have been love but it's over now!
It must have been good but I lost it somehow
It must have been love but it's over now!
From the moment we touched 'til the time had run out.

It must have been love but it's over now!
It was all that I wanted, now I'm living without
It must have been love but it's over now!
It's where the water flows,
It's where the wind blows.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Tantas coisas acabam antes da hora, que você acaba com saudade de um passado gostoso, e também de um futuro interrompido. Imagens ficam passando por minha cabeça, ligeiras – mas presentes demais para o esquecimento. Lembro de dias de chuva quando ela sacava seu guarda-chuva sei-lá-eu-de-onde, e nos apertávamos debaixo dele. Às vezes nem chovia tanto, nem eu me incomodaria em beber alguns pingos, o que interessava era apertar-se debaixo do guarda-chuva. Nos apertávamos mesmo fora dele. Sempre muito grudados e embolados. Lembro com um pouco de saudade, um pouco de tristeza, e algum sorriso bobo, um olhar que você dava quando percebia que gostava de mim: não vi isso muitas vezes, alguns momentos de amor e desejo, acho eu. Mas lembro bem. Lembro do modo como esses olhares e sorrisos me faziam querer cada vez mais te deixar feliz – você fica linda quando está feliz. Também fica linda triste, chateada ou brava; mas por ficar linda de qualquer maneira, então fique linda sorrindo para mim. Fique bem.

Quem sou eu para falar do timing das coisas. Não entendo nada disso, tudo acontece sem meu consentimento. Ou eu posso parar o universo e pedir para sair, por acaso? Quero devolver meu ticket para esse lugar, e aí? Eu não mudo nada. Está muito quente, está muito frio. Passaram a mão na minha bunda. Ela foi embora cedo demais. Isso sem falar nas injustiças sociais, raciais e o diabo a quatro. E aí? Foi o que eu pensei: não mudo coisa alguma. Também, quem sou eu para dizer como tudo deve ser? Sou cheio de vícios e preconceitos. Não sei o que é melhor nem para mim. Mas, quanto ao vício, todos são viciados, mesmo. Não ter vício algum é apenas ser viciado pela moral conservadora. Minha moralidade é o que eu faço dela (e como nos divertimos juntos). Ninguém vai para o céu mesmo.

Abre parêntesis. Não consigo pensar em tudo isso sem um nó na garganta e uma vontade de chorar baixinho, para você não perceber. Sonhos despedaçados nunca cheiram bem. Lembro! De cada parte de seu corpo, todos os detalhes. Pintas em locais estratégicos, o tom da sua pele e o gosto da sua boca. Lembro também de um beijo, dado depois de muito tempo sem ver você, e o modo como havia amor naquele beijo – que eu nem soube o que fazer, não sabia nem que você me amava tanto. Lembro de clichês. Fecha parêntesis.

Além de lembranças ainda há planos desfeitos! Lembranças em potencial, portanto. Diabos, como tive planos. De todos os tipos, sempre cabia você, claro. E muitos deles não têm sentido agora, salvo um ou outro que envolve alguma vontade chata que parece nem ter mais nada a ver comigo. Já é tarde demais para novos planos que não levem você. Mesmo assim, aqueles ficaram para trás e esses novos são totalmente anacrônicos. Volta e meia, meia-volta (e volte) vou lembrar deles e rir complacente, sem forças de correr atrás disso tudo. Pensando bem, acho que fiz planos demais. Talvez você nem quisesse nada disso e apenas fosse educada. Mas se eu vivo de sonhos – de você – como não sonhar tudo contigo? Ouço suas músicas enquanto escrevo, e daí?

Acordo sozinho e sem motivos para sair da cama. Em dois segundos vem todo o sonho da noite que acabou de passar, fui dormir pensando em você, logo, sonhei também com você. Malditos desejos. E sonhos tão palatáveis! Claro que tenho planos megalomaníacos de dominar o mundo com você toda noite, mas parece tudo tão simples quando estou a seu lado. Ou melhor, não preciso de coisas mais além disso – ficar a seu lado. Acordo assustado logo depois lembro de ter sonhado com você, e ainda posso sentir teu gosto e todos meus sentidos até ao sétimo pulsam como se seu corpo ainda estivessse aqui. Agora que estou acordado vou fumar um cigarro.

Sempre fui melhor quando triste. Agora, não consigo encontrar meu porto seguro de melancolia ao entardecer. Tanto tempo vendo tudo com tamanha expectativa acabou minando meu pessimismo esclarecido até que perdi alguma profundidade nisso. Já não escrevo como antes. Perdi minha dama, também minha alma que nem acredito, perdi além: a mão para as letras. O que me restou foram algumas boas lembranças, que já nem consigo anotar. Não vou esquecer de nada mesmo. Mas mudei nesse tempo, e o que sou agora não me agrada. E não é por mim mas por sua causa. Agora sou muito você e não consigo me imaginar sozinho, nada que faço é bom o suficiente sem você aqui. E você?

Para onde eu vou não sei. Mas não vou longe. Também não sei para onde você foi, não vi – mas parece longe demais. Quero que volte mas não acho que você queira voltar. Não acho que aqui é o seu lugar, ou que sou suficiente para você. Sou pouco, sou nada. Isso me dá algum alento. Imaginar que vai ficar melhor sem mim. E que talvez eu fique melhor sozinho.

Desejo você. Tenho fome do seu corpo e sede do seu beijo. Chove e não tenho quem me acompanhe, ninguém é capaz de dançar e sorrir com um tempo desses como você e eu fazíamos. Não pode chover todo o tempo, mas eu posso ficar molhado até a próxima chuva. Ninguém dança como você.

As pessoas costumam esquecer coisas com os outros, involuntariamente, porque querem voltar e nem sabem. Escondi algumas partes de você aqui em casa. Só não devolvo tudo porque tem o que seja imaterial, não posso te dar minhas lembranças e sonhos, nem minhas lágrimas ou beijos. Mas isso não precisa ser entregue, você não esqueceu – deixou deliberadamente. Algum dia eu devolvo tudo que for possível, para te ver mais uma vez ou quando for forte para sobreviver sem você. Talvez não devolva, quando você esquecer não vai mais ter sentido. E o medo! De quando for devolver você nem se lembrar do que estou te entregando! Coisa que foi tão importante para mim e que guardei tanto tempo para te lembrar e você me esqueceu!

Lembro! De uma lembrança em potencial. Minha janela estrelada. O vinho que te dava dor de cabeça. Um incenso gostoso que faz todo o quarto cheirar amadeirado. Meia luz ou claridade nenhuma! Aquelas folhas mortas que cairam outrora da árvore e o vento as trazia juntas, bailando no ar outonal, agora apodrecem no chão, sem vento algum para juntá-las novamente, sem força para criar seu próprio vento. Paira no ar junto com o cheiro amadeirado uma de suas músicas favoritas. Sua vez de imaginar alguma coisa para essa noite. Nunca fomos ao circo. Nunca enfiei um algodão-doce inteiro no seu rosto! Nunca nos amassamos no cinema. Nunca, nunca. Sem pique-niques, com toalhas quadriculadas e salgadinhos doritos com coca-cola. Onde foram parar as tardes conversando debaixo de alguma árvore? Nunca vimos a neve e sentamos perto da lareira com chocolate quente e conversas bobas e etc e tal. E tem um corvo que bate aqui à janela e fica repetindo “nunca mais, nunca mais”, acho que já o vi em algum lugar, aliás. Nada. Não custa sonhar, agora que minha garota existiu e foi embora. Será mesmo que o céu é morrer e voltar para o melhor momento de sua vida?

De qualquer forma, não acredito em céu. Acho que vou morrer, e daí? Deus não está esperando ninguém lá em cima. Não tem violino nenhum tocando ou fim do túnel, anjos ou todas essas coisas da catequese. Vou morrer e os carbonos que formam meu corpo voltam para a natureza, de onde nunca deveriam ter se transformado num ser pensante, logo estarei perdido no ar e na terra, no mar, nos animais e na vida de todo um universo em esquecimento. Logo serei o que deveria ser desde já. Tudo que cabe no infinito. De minha boca os sons da natureza, de minhas mãos o sangue e o sol, meus cabelos levam estrelas, a via láctea em meus olhos, meu coração é um pub com música ao vivo, minha cabeça um sanatório que só dá loucos. Vou estar em todo lugar que puder imaginar. Com sorte te encontro pelo caminho, mas já não tenho consciência de você – carbonos não sentem, acho. Do pó ao pó, das cinzas as cinzas, saio voando por aí! Ninguém me segura, no máximo me limpam de cima da mesa com um espanador. Vou para todo lugar, sou tudo e todos. Mas já não sei quem sou, exatamente. Gostaria de lembrar de você e te procurar e ser seu corpo todo, sua vida, suas células e sua pele. Mas então não pensarei, não sentirei falta de você, nem saberei quem fomos – finalmente.

Então, quando a última pessoa que lembra de mim deixar de lembrar eu paro de voar por aí e viro sujeira. Quero deixar um quadro no filme da vida de cada um. Mas uma imagem daquelas! Hollywoodianas para alguns, cinema pura arte e emoção para outros, ou bastidores. Não acho que quando vamos morrer o filme de nossas vidas passe todo de uma vez. Levaria muito tempo, ou passaria muito rápido e não veríamos nada. Acho que algumas imagens importantes demais para não se ver novamente vêm e acalentam a morte e fazem a vida valer a pena – lembrar. Quero que lembrem de mim, mas não só agora que estou aqui todos os dias. Também quando eu não estiver, também quando forem morrer e agora que vivem. Não volto puxar o pé de ninguém porque sempre começo a rir nessas brincadeiras, e também porque não acho que exista espírito, enfim. Não sei. Acho que comecei esse parágrafo tentando imaginar se você pensa em mim em algum momento. Gostaria que sim. Mas não acho que sobre muito tempo para pensar num autor defunto, nem que eu seja tão importante para surgir nas horas mais inexplicáveis e sem motivos. Talvez alguns minutos de puro ócio ou solidão, quem sabe. Talvez alguma coisa eu deixei, e lugares te lembrem de mim, frases e dias. Espero que sim. Porque tudo que olho me lembra de você. Espero que lembre de mim.

Espera. Vou cantar uma música para você, deixa eu pegar meu violão. Uhm, hum. Harmonica Blues, para te deixar arrepiada com algumas notas. Vou cantar uma canção com minha voz rouquenha ( ou desafinada mesmo) para você não mais me esquecer aqui. Mas não deu, acho que não canto tão bem. Ela se foi e não olhou para trás, nem parou alguns passos à frente e gritou vem aqui! Não me chamou de idiota e me abraçou. Não sou o que ela quer, ela é o que eu quero – mas não temos tudo que queremos. (Meu caso é mais grave, não tenho nada que quero já que tudo se resume a ela).

Sem perspectivas, procuro um novo jeito de escrever – que volte a me agradar. Sem vontade, é tarde demais. Sem sono e com medo de sonhar com você. Sem nada que me acorde de manhã, logo durmo. Logo durmo. Até lá escrevo, desajeitado mesmo. Talvez seja esse meu derradeiro signo de amor: não conseguir escrever, nem pensar com a frieza racional da lógica e do pessimismo realista; escrever mal além do normal; péssima pontuação e se eu colocar acento em lugar errado é amor eterno. Talvez seja isso, e eu mudei de forma irremediável. Intragável. Deve ser, mostra o quanto foi importante para mim, agora que não consigo mais voltar a ser – sem você. Vou dormir. Boa noite, um beijo e uma mordida. Quero dormir de conchinha contigo e, por favor, venha roubar minha coberta. Mas não venha apenas em sonhos, venha não, venha não.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Borges e Eu

Ao outro, a Borges, é a quem sucedem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e me demoro, talvez já mecanicamente, para olhar o arco de um saguão e a porta envidraçada; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo seu nome num trio de professores ou num dicionário biográfico. Agradam-me os relógios de areia, os mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o sabor do café e a prosa de Stevenson; o outro compartilha essas preferências, mas de um modo vaidoso que as converte em atributos de um ator. Seria exagerado afirmar que nossa relação é hostil; eu vivo, e deixo-me viver, para que Borges possa tramar sua literatura e essa literatura me justifica. Nada me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essas páginas não me podem salvar, talvez porque o bom já não é de ninguém, nem sequer do outro, senão da linguagem ou da tradição. Quanto ao mais, estou destinado a perder-me, definitivamente, e apenas algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco lhe vão cedendo tudo, se bem que me conste seu perverso costume de falsear e magnificar. Spinoza entendeu que todas as coisas querem perseverar em seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra e o tigre um tigre. Eu hei de permanecer em Borges, não em mim (se é que sou alguém), porém me reconheço menos em seus livros do que em muitos outros ou do que no laborioso zangarreio de uma guitarra. Faz anos tratei de livrar-me dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos são agora de Borges e terei de idear outras coisas. Assim minha vida é uma fuga, e tudo perco, e tudo é do esquecimento, ou do outro.
Não sei qual dos dois escreve esta página.

Jorge Luis Borges