terça-feira, 16 de novembro de 2010

Havia algo estranho no ar daquela noite. Acredito que ninguém saberia dizer exatamente o que, mas, a desforra estava preparada há muito tempo. Não se sabia, mas alguns puderam sentir – como uma brisa que corresse pelo vão da porta, ou uma rajada aterradora passeando pelas ruas desertas. Eu? Eu senti. Estava sentado imóvel havia algum tempo no parapeito de minha janela, pensando no que havia para pensar. Olhava para a rua lá em baixo, em tons cinzentos de cidade grande, quando um arrepio, um leve sopro de verdade me inspirou medo.

Tive medo do que haveria de acontecer a tudo e a todos.

A vida é como subir num palco pela primeira e derradeira vez, sem direito a ensaio. Quantos erros poderiam ser evitados se houvesse uma prévia conversa a respeito. Mas é aqui e agora. Pela primeira e ultima vez, sem emendas. Existe uma coisa que faz parte disso tudo que é a forma pura da crueldade divina: o amor. Que não se repete jamais, nunca ninguém o conheceu duas vezes com distintas pessoas. A vida em si é algo ligeiro e ineficaz, agora o amor é insignificante. Por mais que alguém lute por tê-lo em plenitude, nunca basta! Droga viciante. Sempre se quer mais e mais e mais. Mas, acaba. O amor é uma ironia. Todos devem rir de uma pessoa que ama, agora e para sempre – inclusive Deus.

A alma de quem ama se dilacera. Ela acredita que nunca foi completa e espera ser recomposta pelas mãos do ser amado. Espera ser esculpida numa forma perfeita, pelas mãos da única pessoa capaz de encontrar seu verdadeiro sorriso por debaixo de tantas tintas borradas. A alma de quem ama não existe, ela espera ser completa em conjunto: ela espera a outra alma capaz de lhe fazer plena.

O amor é improvável.

Naquela noite, uma pobre alma apaixonada encontrou a limitação de seu amor. Coisa que nunca haviam dito a ela que existia. Até então tudo era fraco demais perante a força de vontade da paixão. Mas o amor encontrou seu maior adversário, não ser amado em retorno. Parece tão bobo de sua parte, amar tanto para não ser amado no final. O destino é sarcástico demais com seu sorriso gasto. Quando procurou nos olhos do ser amado por alguma coisa que não palavras vazias e promessas desfeitas, não encontrou nada além. Aqueles olhos continham em si sua própria mentira. Não havia olhos ali, não havia nada.

Fechou seus próprios olhos e encarou o amor que sonhava, em sua imaginação. Sem encontrá-lo onde esperava, ou seja, naquele ser em sua frente. O amor todo estava contido apenas em si, era uma mentira bem contada – havia se convencido daquilo sem nunca ter visto, apenas sonhado. Agora que procurava a mão companheira para enfrentar a vida juntos, não encontrava dedos nem pele, a idéia de amor sucumbira a realidade e o que restava era fumaça onírica de alguém moldado pela loucura.

Pediu, pediu... Gritou porque queria acreditar. Nada veio, nada ficou. Ela se foi, carregando suas lembranças, seus beijos. Ele se foi, carregando seus sonhos debaixo do braço. Caminhando a esmo pela dura realidade, agora inquestionável. Deitados a noite em seus travesseiros, não se conhecem, não se encontram. Não são. Inexistem. Não sonham um com o outro ou se desejam. Eles deixaram para trás a parte mais bela de suas vidas. Esqueceram como é que se faz para amar.

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