terça-feira, 2 de março de 2010

Acordo e me vejo embolado nas cobertas da noite anterior, em posição de feto para me proteger de qualquer coisa, amanhece. Feito bola de gente que parece me enrolo todo em mim e fico escondido apenas com o nariz para fora do cobertor, para respirar um pouco. A preguiça é tamanha de começar o dia ou mesmo de ficar aqui - passo alguns momentos procurando nos recônditos de minha sonolência alguma força de vontade para levantar da cama. O relógio marca ainda sete horas da ressaca, o que me dá algum tempo para desperdiçar deitado. Fico divagando e etc, e tal. Me perco em pensamentos os mais absurdos que uma manhã qualquer possa ter. Tento decifrar o mistério que é a vida, o amor e suas minúcias, ideais quixotescos e sonhos surreais, o Ubermensch bate à porta e pergunta se tenho algum café para emprestar, olho para o lado e estou no inferno dantesco. A volúpia sadeana. Tenho planos maquiavélicos. Acabaram meus cigarros, mas ainda estou um bocado impactado pelo álcool. Minha garganta grita por algum líquido, meu corpo estremece por alguma vida. Mais divagação e pronto, encontrei algumas lembranças que rasguei por desapego ao passado, queimei alguns sonhos por desalento ao futuro. Meu trabalho de maquetaria está todo quebrado e largado pelo quarto, já não tenho mais vontade de brincar. Olho no espelho e me encontro o que sou como me vêem. Lembro dos ideais e sonhos que foram morrendo pelo caminho: quantos astronautas eu já fui num único dia, quantos policiais e bandidos, cowboys e índios, quanta coisa eu fui quando crescesse, mas agora sou o resto de meu corpo pálido e fraco no espelho com alguma olheira. Já não consigo mais voar por aí, nem respirar no espaço. Sou agora também a alegria de todo dia, que cansa, que é uma mentira, bela mascarada de carnaval. Deixo um pedaço de mim no espelho e volto para meu quarto com o que restou, olho para algum canto e encontro mais um pouco de passado. Coisa que não gostaria de ter ali e me lembra. Então tudo pavoneia-se por minha cabeça - feito louco. Tudo palatável novamente, incluindo as partes putrefatas do corpo do passado, toda a saudade escarnecendo de mim rindo com meus eus no espelho. Lembrança infeliz da noite anterior que deixei me esperando ao lado da cama, sentada e paciente para me acordar com seu sorriso amarelo. Preparo um café do melhor jeito possível, o que significa que ficou horrível. Olho uma última vez para meus medos atrás da porta, sorrio e meneio a cabeça. Abro a porta e parto, e olho para trás. Mas continuo andando, até encontrar um novo quarto, onde terei menos de mim que lembrar, e menos de você que me dê alguma falta. Vários novos quartos até algum dia de não-existência, latente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário