sexta-feira, 16 de abril de 2010

Noite insone

Mais uma noite em claro, pensando nela, não é? Minha insônia torna-se logo um hábito, tão pouco que durmo, tão logo acordo. Sempre a mesma coisa, devo dizer: perto da meia-noite, tomo um banho, bem quente - de deixar o banheiro todo em brumas - passo algum tempo lá, pensando na vida, cantarolando minhas canções diletas. Pouco antes de me secar, coloco o chuveiro no mais gelado possível e pulo debaixo da água - bobeira minha, uma brincadeira, e saio rindo e tremendo de frio. Amarro a toalha na cintura e passo a mão no espelho molhado por conta de todo aquele vapor, para tentar enxergar algum reflexo nele. Vejo meu rosto retorcido pela imagem mal refletida: sério... sério... fique sério... CARETAS! [...] O que foi? Quem nunca, no mínimo, mostrou a língua para si mesmo enquanto escovava os dentes? Eu faço caretas no espelho do banheiro.

Depois disso geralmente deito em minha cama, abro a janela bem largo e coloco alguma música, para esperar o sono chegar. Meus olhos começam a ter preguiça de olhar, cada vez mais me aninho na cama, me embolo em cobertas e travesseiros e ursos de pelúcia e o que mais vir! As luzes já estão apagadas, a música pára, o silêncio fica quieto em seu lugar (um ou outro carro passa na rua, alguém pisa no freio lá ao longe, bem a tempo de evitar uma colisão). Quase durmo. Mas o que me distraíra até então fora o rádio, agora começo a pensar por mim mesmo, não estou mais acompanhando algum compasso bem marcado (que é quase como contar ovelhinhas pulando cercas - eu conto notas). Começo a pensar em tantas coisas que nem sei onde começou ou quando termina. Lembranças, saudades e sonhos. Fico criando situações em minha cabeça, faço diálogos e raciocínios super complexos para tentar compreender situações. Crio personagens e imagino vidas inteiras numa noite. A essa hora da insônia já devo estar ouvindo outra música, já desfaço meu ninho e fico me bagunçando na cama. Cada vez que estou perto de dormir lembro de como era o rosto daquela garota, o que tira meu sono novamente - é involuntário! Ora, se pudesse eu estaria dormindo! Se pudesse eu estaria com ela, se pudesse... se eu pudesse seriam muitas coisas. Além do mais, trabalho no outro dia, sabia? Mas quando parece que estou ficando menos enervado, lá vem essa garota novamente. As almofadas e cobertas já foram parar no chão. Daqui a pouco desisto de dormir e passo a noite acordado de uma vez.

Pego um livro qualquer e começo a ler, para me distrair. Contudo, no meio de uma frase e outra lá vem aquela garota! Não consigo me concentrar no enredo, porque ela aparece em todo lugar: pego um livro de História e ela está lá, anacrônica; Filosofia ela aparece, me olhando, com jeito de quem está pensando profundo; se pego um romance ela vem parafraseando os clichês do amor com nossas lembranças; Leio e releio os mesmos parágrafos, sem sair do lugar. Perco a concentração, porque me perco na lembrança de seus olhos. Devo ter uma boa memória, ou talvez tenha sido importante. Eu lembro de muitas coisas, aliás, e tudo isso que não me deixa dormir a noite.

A cama se torna pequena, porque não paro de me mexer - de um lado para o outro, com travesseiro, sem travesseiro; abro a janela, fecho a janela; assalto a geladeira; olho no relógio e é tarde demais. Não consigo dormir. Uma, duas, três horas rolando pela cama. Fico com raiva da garota dos meus sonhos acordados. (Venha quando eu dormir, sabe? Sonhos agradáveis, sem contar aquele belo visual onírico. Você pode até me acordar então, não vou me importar, mas me deixa dormir!). Não durmo de forma alguma. Mais uma noite acordado, desisto de dormir. Devo ser muito bobo por ainda ser mais fraco do que esses desejos de outrora: as pessoas superam tudo, não é? Talvez algum dia eu durma bem, sem pensar nisso. Por enquanto estou amaldiçoando quantas gerações consigo imaginar daquela garota. Me sinto ridículo por ser tão fraco, sentimental, piegas... por não conseguir fazer uma coisa simples como dormir. As pessoas superam, tudo. Não sei por que ainda faço isso. No começo era ficar imaginando se para ela também acontecia algo parecido, e como isso incomodava. E agora é o que? Claramente não acontece nada parecido com ela. Sou eu quem fica inquieto na cama toda madrugada até não aguentar mais. Sou eu quem sente falta de alguém que foi embora e não aguenta de saudade. Sou eu quem tem vontade de ligar para ela toda hora - ah! mas apaguei seu telefone de todos os lugares em que poderia ter anotado (isso funciona como um certo alento, eu não posso ligar, talvez algum dia ela ligue, ou seja, não foi por causa de um sentimento que eu forjei e consegui convencê-la de que era bom, ela ligaria por espontânea vontade - e veja que estou sonhando novamente!). Essas coisas não param nunca! Eu não esqueço, eu não esqueço. E continuo acordado.

E continuo acordado. Desisti de sequer cochilar. Tentei ler, tentei ver um filme, escutar uma música. Tudo inútil. De qualquer forma, logo amanhece. Vai ser um grande dia, de merda. Devo dizer que sou muito chato quando acordo cedo, mas quando não me deixam dormir nada... enfim. Desisti de tentar esquecê-la também. Lembrar é involuntário, nem vou falar nada a respeito. Meus pés estão frios, estou coberto até o nariz. Logo amanhece. Pensando bem, logo amanhece. Deito de ponta-cabeça na cama, com os pés no lugar da cabeça e a cabeça no lugar dos pés. Desse modo posso olhar para o lado de fora de meu quarto. O céu está azul muito, muito escuro e posso contar algumas estrelas nos dedos. Imagino a garota da minha insônia e de toda minha vida a meu lado contando comigo, passei de dez estrelas e uso seus dedos para continuar a contagem. Onze. Doze. Tre... opa, é um avião, meu bem. Doze. O céu azul muito escuro, porque amanhece. Sinto seu calor em todo meu corpo, de tão juntos que estamos. Azul apenas escuro agora, sinto sua mão em meu rosto. Azul... médio? Não quero que amanheça, em absoluto. Azul claro e pode-se dizer que é dia, e lá vem o sol. Sinto seu beijo como se fosse real e ouço ao longe: Bom dia.

Amanheceu e acordei de um sonho meio desperto com ela. Toda a raiva dissipada por um belo dia que começa, mas saudade que escarnece de minha tristeza. E fim, um novo dia tentando me manter acordado, e na hora de dormir, não consigo. Pode-se dizer que vale a pena, para ver o sol nascer e ficar parado na cama enquanto ele sobe no céu, e os raios de seu calor entram acanhados e devagar, esquentando de leve a ponta dos dedos do seu pé, seu joelho, seu umbigo e, então, finalmente, você dorme. Talvez amanhã eu esqueça de tudo e consiga dormir, mas por hoje: Bom dia.

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