quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Deitado, fico olhando pela janela. Vejo um céu de nuvens cor de chumbo se formar, o vento ligeiro traz cada uma delas que forma todo um teto cinzento de perniciosas nuvens que prenunciam a chuva – fico pensando numa dança de passos rápidos debaixo dela. Ou passos lentos, de corpo junto e inteiro, olho-no-olho-mas-não-pise-no-meu-pé, sabe? Mas o que me resta é ficar observando as nuvens. Olho pela janela que outrora você soprou e nas marcas do seu hálito escreveu nossos nomes, e desenhou aqueles desenhos que só faziam sentido depois que você explicava – mas que depois de explicados tudo era muito óbvio! As coisas que só você enxergava... Fico olhando pela janela dos seus desenhos, enquanto se formam as nuvens que vão cuspir a chuva que vai apagá-los da minha janela, e as pegadas que deixamos por algum lugar qualquer. A chuva vem para limpar as marcas que deixamos por aí. Você pode estar andando pelas ruas bem agora, e essa água toda pode estar me tirando de suas roupas e de seu corpo - bem agora. Agora que já não sei mais por onde anda. Não é mais nossa dançante chuva que entoa uma canção na nossa janela. Passou a ser muito mais a sua chuva, e o modo como você a vê, e a minha própria chuva e como tento encontrar você por entre os respingos daqui e dali. Fenômenos distintos arraigados em meu próprio vinho tinto que embala esse prenúncio de tempestade. Procuro as mesmas notas de outrora nas batidas da chuva em minha janela, as notas que ouvimos juntos – mas que só existiram enquanto dividíamos o mesmo corpo, quando fomos um só que pareciam dois. Nesse momento, prevejo a tragédia do final inacabado – que acabou antes do que deveria – e como um conforto para minhas próprias esperanças fecho a janela dos seus desenhos para que não se molhe o que existe do lado de dentro, ou seja, os seus desenhos, que sempre achei engraçados, principalmente quando me explicava o que eram, sempre muito mais complexos e cheios de detalhes do que pareciam. Protejo você dentro de mim , da chuva. Aqui ela não te toca, porque aqui estou eu com o que restou de você – se chover aqui, apagam sua obra, mas também eu me apago com ela. Não te toca porque não deixo esmorecer essa bagunça de sentimentos galantes e atávicos da imagem que eu fazia do que sempre esperei. Não sou eu mesmo, deverás, um seu desenho mal feito? Pois bem! Sou o bonequinho palito cheio de personalidade que você desenhou, mas é só você quem enxerga tantas coisas em linhas tão pobres quanto as minhas. Para todas as outras pessoas sou apenas um bonequinho palito, com uma cabeça desproporcional ao resto do corpo. Meu desalento é ficar imaginando quantos outros bonequinhos palito você ainda pode imaginar. Eu mesmo não tenho nada diferente, apenas outro boneco simplório fácil de desenhar. Meu desalento, portanto, é minha condição mesma de rabisco. Por que você não me desenhou com um chapéu bobo? Sou igual a todos os outros.

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